Acordei suando frio.
A febre forte era amenizada pela brisa suave que passava pelo vão da janela semi-fechada, mas não era o suficiente para acalmar o calor mórbido que latejava em mim, ao mesmo tempo em que me fazia tremer e sentir cada osso do meu corpo a congelar.
Parado a porta do quarto, uma sombra, de braços cruzados, me olhava atentamente. Não pronunciava palavra alguma, tão pouco fazia menção de mover-se, seja para se aproximar ou abandonar-me ali, mas permanecia imóvel, incólume, como quem aguarda o inevitável.
Enquanto isso, um outro eu, sentado no sofá da sala, se deliciava com um pote de sorvete, parando momentaneamente em busca de um gole ou outro da cerveja gelada repousada sobre a mesa de canto.
Na televisão a sua frente o jornal local anunciava um assalto a banco. O suspeito, um rapaz magro e alto, barba e chapéu, era procurado por todo o país no que já era conhecido como o maior assalto a banco da história.
Em uma das imagens da fuga, a cena de um parque chama atenção, onde um senhor de idade, sentado solitário, fuma um cigarro já pela metade enquanto observa o vai e vem das pessoas.
De volta ao apartamento, uma versão minha deixava cair as chaves após abrir a porta para um outro eu que chegava, malas e caixas, de volta para casa.
O barulho das chaves contra o chão pega de surpresa o garoto próximo da janela que, largando o fio que tinha entre os dedos, se precipita em choro contra a pequena mureta ao ver seu balão flutuando em direção ao céu cinza.
Dobrando a esquina vejo o balão subir mais e mais, e não me surpreendo ao ver a criança cair. Apenas dou mais um passo, e outro, e outro.
Pouco antes do teto do carro receber o impacto, passo a chave na ignição e ligo o radio na espectativa de escutar uma boa musica, uma que embale a viajem ao litoral que viria a seguir.
Do lado do estacionamento, em um parquinho vazio, o balanço me levava cada vez mais alto, em um angulo quase horizontal, numa vontade de alcançar as nuvens, enquanto, dando impulsos ada vez mais fortes com as mãos, eu permanecia parado logo atrás da cadeira de balanço, pronto a correr e segurar o corpo no ar antes de qualquer queda.
Da janela do outro quarto eu me via empurrando o balanço, e sentia a vontade inocente de me juntar a bagunça, mas havia trabalho a fazer. Sempre há.
Era tanto trabalho que eu permanecia sentado a mesa, debruçado sobre tantos projetos, tantos planos, que nada era produzido.
Para variar eu não ajudava em produção alguma, parado na porta, pensando em algo que pudesse parar a febre e a dor.
Na cama, todos "eus" se reuniam no fim das contas, todas as possíveis realidades, todas as sensações, todos os desejos, todas as fugas, todas as mortes, todo renascimento, todos os sustos, todas as alegrias, todas as perdas, todas as vidas.
E todos me mostravam quem sou, quem poderia ser, quem fui um dia.
E aquele inevitável momento se aproximou, parou ao lado da cama, agachando a meu lado. Sopra a palavra em meu ouvido:
- Levanta!