23 de outubro de 2014

Trunfo

Procuro por um trunfo
nada demais
uma carta de momento
um momento numa mão

Um trunfo pra jogar "na lata"
pra gritar na cara do ladrão
virar o momento do jogo
lançar as peças pro ar

Preciso de uma jogada de ouro
uma luz inesperada
uma mudança nos acontecimentos
um brilho vindo do escuro

E vira
pode apostar
como quem não quer nada
como quem não deveria estar lá

E vira
como uma brisa numa tarde
ou o sopro do inesperado
um acontecimento esperado


27 de janeiro de 2014

O Cobrador

'Que porra é essa Oswaldo? Tá ficando louco? Quer me foder? Se os acionistas lerem essa merda eu tô perdido!"

Seu Magela não se aguentava, vermelho de raiva, suando pelas temporas, gotejava na camisa social encardida, amarelada.

O Oswaldo travado nas quatro rodas, congelado na cadeira, sorriso mais pra um quarto de boca.

O que aconteceu é que no dia seguinte, logo pela manhã, alguns leitores revoltados com a pseudo homenagem, resolveram ligar para a redação e meter a boca!

Quem em sã consciência diria "receba de peito aberto" alguém com uma morte tão terrivel quanto a Judithe teve? Isso não pode, não é cabivel! Esse cara tem de ser esquartejado em praça publica! - disse um dos leitores.

O fato é que pegou mal, mas não tinha como voltar atrás.

O Magela, preso pelo saco, deu sermão mas não demitiu. Mandou ficar esperto e parar com a palhaçada, pensar antes de escrever, mas o coice das pessoas foi tão forte que o Oswaldo ficou triste.

Pô, ela era boa... e era boa também... tá certo, tô errado... quer saber, vou lá prestar homenagem... me ajudou tanto que não posso deixar passar batido. Vou lá prestar homenagem.

E assim o Oswaldo saiu da sala, rabo entre as pernas, pensando no mal que fez pra pobre da Judithe, que a unica coisa que fez de errado foi se vender, ainda que tenha sido por um bem maior... ou menor... dependendo do cliente...

A Judithe demorou pra ser enterrada. Como o erro foi do médico, o legista responsavel pelo corpo, enquanto tentava levantar alguns trocados para fazer um laudo positivo a favor do dignissimo doutor, acabou levando mais tempo que o necessario e o enterro acabou atrasando para a tarde daquele mesmo dia em que Oswaldo saia do escritório.

E assim, lá pelo meio da tarde, o Owaldo pegou o ônibus, todo arrependido, em direção ao cemitério. Ia dar tempo de chegar no enterro e prestar as ultimas homenagens, talvez dar ajuda a familia, mesmo que ele precise mais de ajuda do que qualquer outro.

Levou algum tempo no terminal, mas o ônibus chegou. Subiu, pagou a passagem e sentou no banco bem ao lado do cobrador, e mal sentou o danado, com um sorriso insano, perguntou:

"Enterro moço?"

O Oswaldo, assustado respondeu de pronto:

"Pois é..."

Um sorriso surgiu no rosto do rapaz sentado no banco lateral, como se ele estivesse esperando exatamente aquela resposta.

" Enterros são complicados, não fique assim não. Todo mundo morre, você vai morrer, eu vou morrer, todo mundo vai pro saco, a vida é assim. Mas sabe o que é legal? Os mortos! São lindos! Inocentes! Eles morrem e puff! Lá tá um corpo, puro de tudo! Qual o nome do senhor?"

" Oswaldo... você sabe...?"

" Lazaro!"