20 de agosto de 2008

Paranóia (parte 4)


Desceu as escadas de incêndio com um pouco de trabalho, mas ela já estava acostumada aos incomodos da vida.
Ter pessoas a vigiando 24 horas por dia, sem descanso, inimigos a cada esquina, não confiar em ninguém e nem em nada, checar sempre a segurança, analisar tudo e todos em busca de uma falha, deixar a luz do abajur aceso antes de dormir, enfim, acostumada de fato a inúmeras possibilidades de ataque.
Cruzou o beco decidida, olhava ao redor, contava os passos, tudo estava sob controle.
A rua estava como planejado, muitas pessoas, fácil de se esconder, e a entrada no edifício tinha sido tranquila, já que esperou na portaria até o momento em que o porteiro saiu para uma vadiagem no primeiro andar. Sua amante o esperava na porta do 112.
Ela sabia, tinha de saber, afinal, qualquer um naquele edifício poderia ser um informante do governo afim de conseguir dados confidenciais!
Subiu calmamente as escadas, pés de pluma, sem barulhos, ainda que o salto agulha tornasse a cruzada um pouco desconfortável, mas era necessário, sem duvida, necessário.
Parou frente a porta que dava acesso ao 7 andar, encostou o ouvido na porta, sem sons estranhos, sem sinal de movimentação, mas ela queria ver mais, pois alguém poderia se esconder em alguma sombra ou canto o suficiente para ter uma boa mira caso alguém viesse pelo elevador ou pela escada.
Empurrando levemente a porta, o suficiente para ter uma fresta livre de qualquer obstrução, fixou os olhos no corredor marrom, cheio de portas brancas e números brilhantes. Nada, ninguém, sequer um movimento, mas ela podia estar errada, sem duvida podia.
Três horas depois, tomou coragem para prosseguir.
Sacou sua arma, verificou se estava carregada e destravada, abriu a porta com um só golpe.
Saiu a galope, cruzando o corredor até a porta de seu apartamento.
Semanas atrás, escolhera seu covil no final do corredor do 7 º andar exatamente para ter tempo de acionar suas armadilhas e dar o fora antes que qualquer intruso conseguisse chegar a seu destino. Trinta segundos preciosos e ela sabia como usa-los!
Mas aqueles trinta segundos para ela, naquele momento, significava estar desprotegida, e precisava correr.
Acelerou o passo na tentativa de diminuir esse tempo em pelo menos dez segundos, mas uma porta em seu caminho atrapalhara seus planos.
Do 715 saiu dona Esthela, velha, tinha lá seus 85 anos, cadeira de rodas, óculos de fundo de garrafa, cabelos acinzentados devido a uma tintura barata comprada em uma loja de cosméticos por sua empregada que gostava de comprar produtos fajutos e guardar o troco pra si, e que agora, a meia cadeira para fora do apartamento ricamente mobilhado, recebia em sua testa uma bala, presente inesperado, mas que poria fim a seu mal de alzheimer antes mesmo de cientistas encontrarem a cura.
Incursão essa esperada pela garota que tremia no corredor. Não acreditava naquela velha conspiradora, fomentadora do caos alheio, e agora, se apresentando no momento mais complicado de sua trajetória, prostrava sua mascara e deixava escapar a verdadeira face de inimiga numero um.
Estava em perigo, outros podiam ter escutado o ribombar da pistola. Tinha de correr, apanhar seu pacote e fugir para bem longe de tudo e todos, para onde estivesse a salvo.
Fluffy deve ter escutado o disparo e já se prontificou a pegar as chaves do velho Opala, pensou ela em êxtase.
Agora, era tudo ou nada!

17 de agosto de 2008

Quando você não veio

Me senti sozinho

O mundo não era mais o mesmo

O ar me atacava

Mal podia respirar

Fumei tudo o que podia

Bebi tudo o que consegui

E não me dei por satisfeito

Não me tive por inteiro

Fiquei sozinho

Olhei os moveis ao redor

Era tudo igual

E eu o mesmo de sempre

Corri tudo o que podia

Sonhei tudo o que podia

E não me dei por completo

Não me tive por completo

Fiquei acordado

O sono me esqueceu

Do trabalho de um dia

O corpo acumulado

Escutei tudo o que queria

Cantei tudo o que gostava

E não me senti repleto

Não consegui me manter disperso

Sai perdido na escuridão

As pessoas não me olhavam

Apenas mais um

Mais um

Aguentei tudo o que consegui

Lutei por tudo o que desejei

Mas está na hora

De seguir em frente

14 de agosto de 2008

Paranóia (parte 3)

Após horas passadas, sentada na cama tentando chegar a uma conclusão da melhor forma de alcançar o pacote, acariciando sua Beretta como quem afaga a um gato, levantou com um pulo da cama.
Andou vagarosamente até a porta, tomando cuidado para não produzir nenhum ruído. Claro, se alguém sequer ousasse descobrir que ela chegava perto da porta poderia esperar pelo melhor momento para atirar através da placa fina de madeira e a atingir em cheio no peito, sem qualquer possibilidade de proteção ou desvio.
Olhou através do olho magico na tentativa de demarcar o quão longe estava o pacote da porta. Se abrisse a uma boa velocidade, talvez pudesse pegar o pacote e fechar a porta em menos de 20 segundos sem correr qualquer risco, mas não podia se dar ao luxo de entregar-se a possibilidade de falhar, passar mais tempo exposta ao perigo e morrer por uma atitude incrivelmente ridícula. Devia pensar em coisa melhor a fazer...
A saída de incêndio! Claro! Como não havia pensado nela antes!
Trocaria de roupa, usaria algo que certamente ela não usaria, fazendo se passar por outra pessoa. Sairia pela janela que dá acesso a escada de incêndio, descendo as escadas vagarosamente, para não fazer barulho ou chamar atenção dos transeuntes presentes no beco que fica atrás de seu prédio.
Sairia para a rua e se juntaria a massa de pessoas que passam por ali, e ao se aproximar da porta principal, entraria pelo Hall do prédio rapidamente, fingindo estar com pressa para chegar a seu destino, evitando assim qualquer incursão do porteiro ou algum conhecido que conseguisse reconhecer seu rosto por debaixo do grande chapéu negro, estilo Carmen Sandiego.
Subiria pelas escadas para evitar qualquer um que entrasse pelo elevador, e ao chegar ao andar de seu apartamento, esperaria alguns minutos na porta da escada para ter certeza de que o andar estaria vazio. Sacaria a arma, entraria de uma vez só, e atirando se fosse preciso, saltaria para o pacote no chão, o agarraria com todas as forças, se jogaria quanto a porta onde Fluffy estaria pronto para abrir a porta na hora certa, e também atirar se fosse preciso. Armado até os dentes, ele certamente transformaria qualquer bandido em uma peneira!
Arrumou-se toda, mergulhou em seu armário e lá ficou durante uma boa meia hora até encontrar a roupa perfeita, algo que fosse um bom disfarce mas que não atrapalhasse na hora da ação. Ativou todas as armadilhas e alarmes, arma na cintura, Fluffy parado sobre a cama, virado para a porta, apoiado em uma outra Beretta, tudo pronto para a ação.
Deu uma ultima olhada no pacote pelo olho magico, andou novamente até a janela, a qual abriu com grande esforço, e olhando para as escadas enferrujadas, respirou fundo e esticou uma das pernas por cima do batente. Droga de saia, pensou, já estava dando trabalho!

8 de agosto de 2008

Paranóia (parte 2)

A campainha tocou.
Subitamente, a jovem garota saltou fora da cadeira, pegando a mesma com as mãos para utilizar como arma. Andou calmamente até a porta, pôs as costas da cadeira junto à maçaneta da porta de forma que quem estivesse do lado de fora e tentasse abrir não conseguiria.
A campainha tocou novamente e, apressada, a garota andou até outro quarto onde um grande sistema de câmeras vigiava desde a entrada do prédio onde morava até os quartos dentro de seu próprio apartamento, sem contar todas as ruas que circundavam o prédio (um trabalho feito durante varias madrugadas), e em um dos pequenos televisores presos à parede que mostrava a imagem da porta de entrada, mostrava um pacote deixado na soleira da porta.
Ela olhou em todas as câmeras e não viu nenhuma pessoa nos corredores, no hall ou alguém suspeito andando na rua.
Vendo o pacote largado sobre o capacho começou a pensar no que faria e entrou em pânico com as varias possibilidades que lhe passaram pela cabeça. Aquele frágil pacote (porque tinha o símbolo da taça em uma das extremidades) poderia ser uma bomba ou alguma coisa parecida, ainda que poderia ser atacada ao abrir a porta por alguma pessoa que pudesse estar camuflada!
Virou-se para o pequeno Fluffy, que nesse momento jazia sentado sobre a cama, e começou a soltar vários palavrões.
- Caramba, se você ainda tivesse me lembrado de comprar algum aparelho que pudesse encontrar o movimento através do calor, mais ou menos como aqueles óculos de visão noturna, sabe Fluffy, a gente não teria problemas assim, ou se pelo menos tivéssemos lembrado de fazer algum alçapão ou alguma outra entrada pela qual pudéssemos pegar as coisas largadas na porta, mas não... O que você tem a dizer agora que estamos encrencados, senhor Fluffy?
- .......
- O silencio é sua melhor resposta?
- .......
- Urso ridículo, só sabe ficar ai parado... Ócio mata, sabia?
Começando a ficar um pouco mais calma, sentou-se ao lado de Fluffy e começou a pensar numa forma de saber do que se tratava o pacote.

7 de agosto de 2008

Paranóia (parte 1)


Entrou batendo a porta do apartamento, trancando em seguida uma porção de trancas de diferentes formas. Ligou o alarme, antes observando a seu redor para ver se ninguém a observava digitar a senha numérica de vários números.

Verificou a tranca das janelas e se as mesmas estavam bem fechadas, olhou em baixo da escrivaninha, em cima do lustre no teto, atrás da pia do banheiro, em baixo da cama, dentro do armário, nas entranhas do pequeno e desprotegido Fluffy (seu ursinho de pelúcia), entre tantos outros lugares e frestas possíveis à procura de algum tipo de escuta, radio transmissor e até bombas.

Sentou-se na cama e, de olhos fechados, começou a aplicar uma técnica hindu de alta percepção energética, para saber se havia alguém por perto, mesmo sabendo que tal técnica nunca deu sinal de efeito, mas acreditava que o livro que ensinava dizia a verdade, e o que estava escrito nos livros para ela era lei.

Abriu os olhos rapidamente. Não podia demorar muito naquela atitude, pois poderia ser atacada pelas costas, sem a menor chance de se defender!

Sorrateiramente, agarrada ao pequeno Fluffy, pôs a mão sob o travesseiro e retirou sua Beretta, idêntica a que o conhecido agente 007 usava em suas aventuras. Acreditava ela que tendo uma pistola igual à do maior espião do mundo ela estaria a salvo de qualquer invasor indesejado, podendo sacar a qualquer momento a arma de baixo do travesseiro e eliminar o transgressor da lei e da ordem. Verificou se estava carregada e destravada, a recolocando mais uma vez no lugar de onde saíra.

Sentindo-se mais segura, sentou na pequena cadeira em frente a escrivaninha, abrindo uma das gavetas e tirando um grande rolo de papéis. Observou mais uma vez a seu redor e, consciente de que ninguém a vigiava, abriu os papéis, que na verdade eram uma porção de mapas, planos de fuga e de ataque, lembretes de onde estavam localizadas as armadilhas pela casa e uma grossa pasta onde se podia ler em letras garrafaisULTRA-SECRETO”.

Vagarosamente abriu a pasta, tomando cuidado para que apenas ela pudesse ver o conteúdo da mesma, impedindo a visualização por qualquer outro ângulo que não fosse o que ela estava. Leu espantada as primeiras linhas do documento, e disse para si mesma, apertando os olhos e raspando os dentes:

- Esses malditos sanguinários... Querem me atacar? Que venham! Estou preparada para eles...

2 de agosto de 2008

Noite de Ilusões

Estou tão longe

De qualquer conceito

De perfeição

Mas o que é bom pra mim

Nem sempre é para os outros

Estou tão próximo

De meus conceitos

Minhas piadas favoritas

Que mal posso enxergar

Quando tudo está errado

Mas tudo pode se tornar um acerto

Estou tão calmo

Indiferente a paisagem

Talvez me considerem morto

Talvez eu só tenha modificado

Meu ponto de vista

Estou tão perdido

Que nem riscar o chão

Ou migalhas de pão

Vão mudar meu rumo

Mudar meus pés de chumbo

Estou tão cansado

Por travar minhas batalhas

Mas é só um novo dia

E mais um demônio para destruir

Estou tão confuso

Que não sei em quem acreditar

Se devo realmente escutar

Palavras jogadas no lixo

Estou tão pensativo

Onde vou parar?

Vou parar?

Parar?

Pra que?

Estou tão sonolento

Mas não vou dormir

Antes de desvendar o ultimo sonho

De uma noite de ilusões