17 de maio de 2013

Sobre o tempo

Pois vais me esquecer
como em acordar num dia qualquer
por ter tanto o que fazer
não tendo tempo para pensar

Pois vai me destroçar
ao beijar outras bocas
outros lábios enigmáticos
outros sonhos vais sonhar

Pois vai me abandonar
como que larga o que não lhe serve
num balde de simples dejeto
no passado

Mas veja minha criança
isso nada mal fará
as águas da vida jorram pela fonte
e dela tu há de beber

O mal que fará
tornar-se bem em segundos
por mais que não vejas
será o que sentes

A vida há de seguir em frente
resultados aparecerão a todas as perguntas
desejos se formarão sem que perceba
o rumo que está tomando

Seu mundo há de seguir girando
como sempre esteve enquanto dorme
hoje sou eu a tirar teu sono
amanha será certamente outro conto

O tempo há e seguir indiferente
Não importa o que aconteça
voltar ou seguir serão o mesmo
teu desejo é quem dará o ponto

Mas veja minha criança
Isso não será de todo mal
É a vida que seguirá em frente
é o amor de outra forma

O bem que fará
tornar-se realidade em segundos
por mais que não sintas
será o que vive.

AURIN

A alguns anos atrás fiz uma tatuagem nas costas.
Essa tatuagem significava muito para mim na época.
Eram duas cobras, uma negra e uma branca, entrelaçadas, mordiam uma a calda da outra, uma espécie de cópia da imagem do infinito, mas com um significado diferente do habitual.
Muita coisa aconteceu desde então, e foram tantas as jornadas pelas quais me aventurei que seu significado, bem como de onde provinha tal simbolo, tornou-se desgastado e então esquecido.
Mal sabia eu que todos os caminhos estavam certos, e que invariavelmente acabaria no mesmo lugar.
O simbolo tatuado em minhas costas é a cópia do AURIN, um amuleto que lhe concede todos os desejos que tiver, porem lhe cobra uma de suas memórias em troca, e desde o dia que reproduzi sua imagem em tinta na minha pele, tenho feito desejos atrás de desejos, ao ponto de esquecer quem eu realmente era.
No livro, “História sem Fim”, contando o que se passa de uma forma que não entregue todo o jogo, os desejos guiam o personagem até sua vontade única, até seu desejo derradeiro que, ao mesmo tempo em que lhe mostra o que quer, lhe cobra sua ultima lembrança, esquecer a si mesmo, seu nome, esquecer quem você é.
Foi isso o que esqueci, quem eu era de fato, e mais uma vez me vejo frente a minha vontade absoluta que, nada mais é, que o amor.
Sim, minha vontade única é amar, é dar amor da forma mais pura, a, praticamente, me doar por inteiro por amor, e esse é o dom mais precioso, é o que faz eu ser quem sou e fazer as coisas que faço.
Porem, voltando a questão do simbolo AURIN, as cobras se prendem por uma razão obvia. Nenhum mal é absoluto ao ponto de bem algum lhe vencer as forças, bem como o contrario que se aplica, portanto uma segura a calda da outra de forma a controlar e balancear o rumo da vida.
Caso se soltem, o mundo tornaria-se uma loucura e certamente acabaria.
O fato é que ser bom demais invoca certa carga de coisas ruins, traz para sí, inevitavelmente, atitudes maléficas de outros, quase como algo incontrolavel e basicamente inevitável.
Fui bom com muitos, dei meu melhor e sofri demais, da mesma forma que fui malvado de forma absoluta com outros e o bem mostrou-me como as coisas deveriam ser.
O simbolo em minhas costas significa o meio termo, o ser bom e o ser mal. O ser balanceado sem esquecer quem eu sou, mas ao mesmo tempo sem esquecer o que as pessoas representam.
No final, o simbolo nas minhas costas representa  amar as pessoas e o amar a mim mesmo, nem mais, nem menos.
Hoje me banho nas águas da vida, mais uma vez esqueci quem sou para reaprender o que significa o amor que sinto, e mais uma vez me ponho no eixo.
Vou seguir o fluxo da vida, dando meu melhor para tudo e todos, inclusive para mim mesmo, não importa o que aconteça.

21 de março de 2013

Febre em dia cinza

Acordei suando frio.
A febre forte era amenizada pela brisa suave que passava pelo vão da janela semi-fechada, mas não era o suficiente para acalmar o calor mórbido que latejava em mim, ao mesmo tempo em que me fazia tremer  e sentir cada osso do meu corpo a congelar.
Parado a porta do quarto, uma sombra, de braços cruzados, me olhava atentamente. Não pronunciava palavra alguma, tão pouco fazia menção de mover-se, seja para se aproximar ou abandonar-me ali, mas permanecia imóvel, incólume, como quem aguarda o inevitável.
Enquanto isso, um outro eu, sentado no sofá da sala, se deliciava com um pote de sorvete, parando momentaneamente em busca de um gole ou outro da cerveja gelada repousada sobre a mesa de canto.
Na televisão a sua frente o jornal local anunciava um assalto a banco. O suspeito, um rapaz magro e alto, barba e chapéu, era procurado por todo o país no que já era conhecido como o maior assalto a banco da história.
Em uma das imagens da fuga, a cena de um parque chama atenção, onde um senhor de idade, sentado solitário, fuma um cigarro já pela metade enquanto observa o vai e vem das pessoas.
De volta ao apartamento, uma versão minha deixava cair as chaves após abrir a porta para um outro eu que chegava, malas e caixas, de volta para casa.
O barulho das chaves contra o chão pega de surpresa o garoto próximo da janela que, largando o fio que tinha entre os dedos, se precipita em choro contra a pequena mureta ao ver seu balão flutuando em direção ao céu cinza.
Dobrando a esquina vejo o balão subir mais e mais, e não me surpreendo ao ver a criança cair. Apenas dou mais um passo, e outro, e outro.
Pouco antes do teto do carro receber o impacto, passo a chave na ignição e ligo o radio na espectativa de escutar uma boa musica, uma que embale a viajem ao litoral que viria a seguir.
Do lado do estacionamento, em um parquinho vazio, o balanço me levava cada vez mais alto, em um angulo quase horizontal, numa vontade de alcançar as nuvens, enquanto, dando impulsos ada vez mais fortes com as mãos, eu permanecia parado logo atrás da cadeira de balanço, pronto a correr e segurar o corpo no ar antes de qualquer queda.
Da janela do outro quarto eu me via empurrando o balanço, e sentia a vontade inocente de me juntar a bagunça, mas havia trabalho a fazer. Sempre há.
Era tanto trabalho que eu permanecia sentado a mesa, debruçado sobre tantos projetos, tantos planos, que nada era produzido.
Para variar eu não ajudava em produção alguma, parado na porta, pensando em algo que pudesse parar a febre e a dor.
Na cama, todos "eus" se reuniam no fim das contas, todas as possíveis realidades, todas as sensações, todos os desejos, todas as fugas, todas as mortes, todo renascimento, todos os sustos, todas as alegrias, todas as perdas, todas as vidas.
E todos me mostravam quem sou, quem poderia ser, quem fui um dia.
E aquele inevitável momento se aproximou, parou ao lado da cama, agachando a meu lado. Sopra a palavra em meu ouvido:
- Levanta! 

30 de janeiro de 2013

O Missil

Entre chutando a porta
arrebente as fechaduras
você não pode parar agora
não importa quem esteja atrás

Seja um míssil desgovernado
seja um jorro de napalm na pele
seja a explosão que quiser
quando a bomba explode nada mais sobra

Não há mais tempo para mensagens
nem compreender os desencontros
o tribunal está fechado
o caso foi julgado

E quando o amanhã chegar
e sim babe, ela vai chegar
talvez você perceba a falha
a resposta que o mundo não entregou

Entre derrubando a parede
atirando nos corpos pelo caminho
são todos feitos de açúcar
não importa o coração que esteja atrás

Seja uma palavra não dita
seja o sorriso contido
seja o olhar desviado
quando a raiva explode nada mais sobra

Não há mais tempo para desculpas
nem controlar os impulsos
o juri foi encerrado
o réu foi culpado

E quando o amanhã chegar
e sim babe, ele vai chegar
talvez você perceba a falha
a vida que deixou de levar

29 de janeiro de 2013

Socos

Olha só, esse aqui foi escrito meio no susto, um apanhado de ideias que jorram na minha cabeça hoje e que de certa forma esta meio cru ainda, mas são coisas que eu precisava soltar.

Um apanhado de sensação que eu precisava explicar melhor até pra mim mesmo, mas que ainda é meio difícil de resumir.

Esse texto é mais como uma forma de dizer que as vezes é necessário viver sem se importar muito com os efeitos colaterais de nossas escolhas, já que o que é bom para mim nem sempre é positivo aos olhos alheios.

E aproveito ainda para dizer que viver é preciso, da mesma forma que deixar que as pessoas a nosso redor também tenham suas vidas é extremamente necessário.

Por favor, comentem minhas loucuras, ok?

----------------------------------------------------------------------------------------------


Os nós de seus dedos estavam em chamas, e ele não estava nem na metade do serviço quando a primeira gota de sangue escorreu pela ferida que se abria com o impacto do punho fechado na parede.

Naquele dia em especial, que poderia bem ser apenas mais um em tantos, ele decidira que era hora de resolver todos os problemas em sua vida, e para isso, lembraria de todos os seus feitos e de tudo que ainda tinha por concertar.

Porem, em uma catarse mais dolorosa, decidira que, para cada decisão errada que ele havia tomado em sua vida, um soco deveria ser dado em uma parede, e a dor seria o suficiente para lembrar e penalizar sua alma por todo mal que poderia ter causado as pessoas.

A janela estilhaçada por uma pedra, o chute na canela do colega de classe, a mentira contada para não ir a aula, a roupa suja de barro jogada fora para que ninguém soubesse, o telefonema avulso no meio da madrugada que acordou um desconhecido, o gato apedrejado da vizinha,  a namorada que pulou a janela do quarto para fugir, o carro batido em um racha, a bebedeira insana e as drogas usadas, os amigos abandonados ao tempo, os amores não compartilhados, os amores inventados, os amores por interesse, os trabalhos esquecidos, as faltas e os atrasos por displicencia, a má vontade em ajudar, e tudo isso nem era a metade quando sua mão já estava em frangalhos.

Todas as faltas estavam sendo pagas a cada murro, e o osso já se despedassava quando um pensamento doentio varou por sua mente.

Durante todos esses anos, frente a todos os feitos, um personagem importante havia sido sacrificado e sofrido com tudo isso, um personagem único vivenciou todos esses momentos e hoje estava jogado no chão da sala com os punhos ensanguentados. Um ultimo mal foi causado e para esse não tinha volta e muito menos punição viável.

Durante tantos anos ele havia feito o mal para si mesmo, havia buscado a maldade e o mal cobrava de sua vida pelas coisas ruins que fizera.

A sua frente a parede vermelha sangue pedia mais um tributo, mas não era para acontecer.

Frente a toda maldade, e a toda bondade, o homem ainda tem uma escolha. Ninguém pode ser bom demais sem correr o risco de sofrer um dia com a maldade, da mesma forma que ninguém é mal demais que um dia não possa ter um ato puro de bondade. O ciclo seria formado por atitudes que, de acordo com o livre arbítrio, poderiam ser boas ou ruins, dependendo do ponto de vista.

Para aquele rapaz destruído, sobrava agora a esperança de salvar sua alma dando uma simples segunda chance para viver, e tomar as decisões corretas.

Porem, perguntas ainda pairavam no ar: Será que nos culpamos pelos motivos corretos? Será que realmente somos dignos de culpa? Será que se retornássemos no tempo poderíamos mudar as coisas sem se arrepender das mudanças que ocorreriam no futuro e por consequencia sucumbir a tentação de mudar tudo novamente? Quantas vidas seriam necessárias para se chegar a uma vida de bondade plena sem intervenção do mal, ou até mesmo o contrario? Quantos socos seriam necessários para percebermos o valor de cada gota de vida que escorre a todo momento de nós?

Saint Exupéry nunca fez tanto sentido quando diz que o essencial é invisivel aos olhos.

12 de janeiro de 2013

Seu Oswaldo: O Trabalho

Sentado em sua cadeira de costas flexíveis, atrás da mesa estava o editor chefe, Seu Magela, distinto cidadão, da nata paulista, separado duas vezes, casado com a filha de um deputado de renome, cinco filhos e carro novo no meio fio.

Se sentindo um lixo pela ressaca do dia anterior, o Oswaldo estava lá bem a sua frente, jogado na cadeira, secando o suor da testa com as costas da mão esperando para saber o que lhe reserva a nova função.

Seu Magela por outro lado não tinha real intenção de contratar o mulambento porque, veja bem, cabide de empregos, ainda mais em um jornal de renome, fica difícil explicar aos olhos sedentos por coisas erradas, mas o amigo que o trouxe sabia lá de uma ou duas pendengas que poderiam facilmente ligar o digníssimo Magela a crimes que custariam muito mais que somente seu emprego, então o negócio foi fechar a boca e engolir a mosca a seco.

No entanto uma vaga surgira, minima, e como não tinha fins lucrativos ao jornal serviu bem ao companheiro em necessidade.

O Magela foi rápido, o negócio era o seguinte: Me chega todo dia lá pelas dez da noite, recolhe os comunicados de óbito que a Roseli da recepção vai largar na mesa, veja lá quem morreu e escreve umas duas linhas de elogio ao defunto, levando em consideração o que o fulano fazia em vida. Se for alguém importante rasga seda sem dó mas não passa de quatro linhas se não a coisa fica feia depois. Vai que morre politico? Até explicar porque usou meia pagina pra fazer um quadrinho de óbito vai ser difícil. Faz tudo bonito, escreve e manda para a impressão. Terminou vai embora . E se usar a privada do escritório tenta ficar só nos líquidos ou vai ter de ir encher o balde com aguá pra ajudar a descer qualquer coisa que tiver por lá.

Com isso o Oswaldo já estava apavorado! Estava de certo modo feliz por não ter de ir a campo colher noticias em cenas de crime ou pagar mico em saída de time para o vestiário, mas dai a escrever sobre gente morta era uma sacanagem, ainda mais sem conhecer nenhum deles antes, mas o Magela até que facilitou, já que o jornal pedia gentilmente que as famílias mandassem lá uma foto do presunto ainda com vida em alguma atividade de que gostava, com a desculpa de que poderiam eventualmente estampar a foto ao lado do quadrinho, mesmo que em dez anos de jornal nenhuma foto tenha sido utilizada com o propósito, mas sim para alimentar a imaginação do funcionário anterior, que dias antes ganhara um quadrinho com algumas palavras reconfortantes em sua própria seção.

Já no primeiro dia de trabalho nosso querido Oswaldo passou sufoco. Sentou frente a maquininha de escrever de seu minusculo escritório , passou os olhos rapidamente por algumas das folhas com fotos coloridas grampeadas, esfregou a palma da mão na calça para tirar o suor da ponta dos dedos e suspirou um “seja o que deus quiser”.

Primeiro óbito a gente nunca esquece e foi justo o da Dona Maria Alcina Mendes, partiu aos 95, família modesta, na foto aparecia segurando uma vassoura em um corredor de escola, com um corpinho de 50 anos, meio corcunda, saia rosa até o pé e camiseta branca.  Constava morte por idade.

Morre Maria Alcina Mendes, vividos seus 95 anos, varria um corredor como ninguém.

Passara fácil, abriu sorriso no rosto encardido, ligou o radinho a pilha no exato momento em que Miltinho cantarolava “Lembranças” com sua voz macia, uma feliz coincidencia talvez.

Partiu para o próximo, Calvino Salvador, 88 anos, aparece na foto dentro de um Fusca velho, sorriso no rosto, gordo, talvez uns dez anos antes de empacotar. Constava morte por asfixia.

Calvino Salvador, 88 anos bem vividos, agora dirige seu Fusca pelo céu.

Pelo céu sim, e agora certamente o fusca não iria mais engasgar em marcha nenhuma, pensou rindo.

Gostando do resultado o Oswaldo logo começou a gostar da coisa, e como sempre faz quando gosta de algo, tira a garrafa de cana da pasta de couro surrado e dá logo uns dois tragos direto da garrafa. Olhou as fotos sobre a mesa, ergueu a garrafa sobre elas, fez um brinde a seus novos companheiros de madrugada, lançou um golinho pro santo ao lado da cadeira e deu mais um gole bem servido.

A cana bateu fundo no estomago vazio, mandando ao cérebro uma mensagem violenta de que aquele corpo iria levantar daquela cadeira no pileque já conhecido de dias anteriores, mas o Oswaldo era forte,  e a noite só estava começando.

O próximo ele conhecia, Dona Judithe, a solteirona louca que aparecia vez ou outra no boteco para arrumar alguma companhia, e sem cobrar nada por isso. Na foto ela estava bem arrumadinha, visivelmente mais magra, usava um sutiã preto que aparecia por detrás de uma blusa branca . O Oswaldo se lembrava daqueles peitos, mas não se lembra de ter visto ela usar sutiã nas vezes que apareceu para fazer festa. No cartão de causa de morte constava  morte por erro cirúrgico durante uma operação no pulmão. Meio bêbado, Oswaldo, lamentando a perda da conhecida, escreveu lá:

Judithe Apoliana, nos deixa no auge de seus 45 anos. Que os anjos te recebam de peito aberto.

Oswaldo sorria satisfeito. No fim das contas acabou pagando a Judithe de alguma forma.