19 de junho de 2010

Mal Funcionamento

Dobro meu joelho esquerdo e ele dói. É uma dor momentânea, como um beliscão que ainda arde mesmo após alguns segundos. Estico minha perna ao máximo e volto a dobrar apenas para ter a certeza de que aquela dor que senti não fora apenas minha imaginação, mas sim um grito de êxtase proveniente de algum músculo que se sente ultrajado após algum movimento ignorante que o obriguei a fazer.
Enquanto isso meus cabelos caem de forma continua, porem vagarosa. Eles simplesmente resolvem partir levando a chave com eles, deixando a casa para novos fios trancada, e isso de certa forma me assusta.
Se caíssem todos ao mesmo tempo, como funcionários de uma empresa que decidem pedir demissão coletiva em uma tarde de verão, talvez fosse mais aceitável e menos perturbador, pois certamente eu teria a certeza de que o fizeram por algum motivo claro, como essa dor no joelho. Mas na realidade eles preferem me apavorar caindo um a um como para quedistas que escolhem seus alvos com calma, sem pensar no combustível que o avião precisa para a viagem.
Estou ficando velho rápido demais para meu gosto e o que tenho a fazer é aproveitar esses momentos para curtir um pouco de nostalgia, e vejam só, aprecio esses momentos como nenhum outro!
E pensar que anos atrás eu achava que queria ver o tempo passar mais rápido para ter idade suficiente para ter meu dinheiro e ir aos lugares que desejasse. Hoje tenho meu dinheiro contado até os centavos e mal tenho conseguido pagar todas as contas. A cerveja ficou para outro dia por falta de verba, e isso me deixou insatisfeito.
Outro fato que vem a minha mente é uma lembrança de jogar alguns jogos com meus irmãos, como detetive (onde um de nós escondia o bem mais precioso do outro em algum lugar bem escondido e ia deixando pistas pela casa de onde poderia estar o objeto procurado) ou mesmo jogos simples como carteado, dominó e outras coisas. Hoje sinto falta desses jogos e me vejo ensinando meus filhos a brincar.
Me recordo de ser um estudante vagal, que não estudava e não fazia os trabalhos nem lição de casa, mas que ainda conseguia tirar notas boas nas provas. Alguns falam que é um dom, outros que é genialidade... eu prefiro acreditar em ação divina, pois pelo menos me dá algo para rir a respeito!
Hoje não mudou muita coisa, ainda que descobri que ler é ao mesmo tempo meu amigo e inimigo, pois aprendo coisas novas, mas tenho de fazer uma força imensa para que essas coisas saiam de minha cabeça para que eu possa dormir ao invés de passar a madrugada inteira queimando neuronios no escuro do quarto.
O mais impressionante para mim é ver como todos os problemas que tive no passado, todas as intempéries, todo lixo que tive de aguentar, foi de extrema valia para unir as peças que me formaram.
Por isso digo com louvor, por mais que meu joelho doa e por mais que meu cabelo caia , que estou ficando velho, mas sigo funcionando perfeitamente, obrigado!

3 de junho de 2010

Amigos


Ainda cedo, antes de começar o turno, estávamos discutindo a proporção de carros de luxo para uma população elitizada em São Paulo.

Um de meus amigos chegou a conclusão estranha de que Porcshe Cayenne é um carro quase popular, fácil de se ver nas ruas, ainda que possuído por poucos, enquanto existe uma dificuldade maior em ver Ferraris de fato correndo pelas ruas a fora.

Eu e outro amigo ficamos indignados ao ouvir tal comentário, pois é como ir tentar uma carta de motorista e ter um Cayenne como carro na prova de direção.

O fato é que o rapaz em questão é um bom amigo, daqueles de dar muita risada em qualquer lugar devido a qualquer comentário, seja ele plausível ou não.

Estou a dois anos e meio na mesma empresa, e os que vivem nesse meio de alimentos e bebidas sabe que a rotatividade é grande por motivos variados, desde desligamento da empresa a demissão.

Esse mesmo camarada, horas mais tarde foi desligado da empresa, demitido.

Nesses dois anos e meio vi amigos indo embora por vontade própria e por comando da empresa, e no começo até tinha palavras solidarias para dizer.

Hoje me vejo perdido, sem saber o que fazer ou o que dizer.

Não sabia onde enfiar a cara, se abraçava e desejava boa sorte ou se simplesmente ignorava como se nada estivesse acontecendo.

Isso machuca de uma forma inigualável, e quem já viveu esse momento sabe pelo que eu passei e ainda ei de passar.

Quem trabalha nesse meio sabe que sair de férias é correr o risco de voltar e encontrar uma equipe completamente nova onde antes havia pessoas conhecidas, ou na pior das hipóteses, chegar no primeiro dia e trabalho e já ter uma conversa com o RH referente a seu ultimo dia de trabalho na empresa.

Esse é um problema que não tenho como revidar, esquecer ou tentar deixar de lado.

Por mais que exista a vida profissional e como suas atitudes frente a um cargo vão refletir na aceitação da sua equipe (e de seus superiores principalmente), os vínculos de amizade que você mantém ainda são fortes o bastante para te fazer sentir falta de alguém, por pior que ela executasse sua obrigação.

Agora elevo isso a algo maior.

Imagine que a pessoa em questão não trabalha a seu lado, mas sim é alguém muito querido que você pouco vê nesse momento da vida, mas que a algum tempo atrás foi de extrema importância.

Como você ficaria tendo de ver essa pessoa partir, ou simplesmente brava com você por algo inútil? Por algo sem a menor razão?

Passei por poucas e boas até aqui e sei o valor de cada amigo meu, correndo o risco de cair no cliche de falar que posso contar nos dedos. Ver um deles passando necessidades ou qualquer outro tipo de problema me deixa em estado de alerta.

Quando vejo que participei para que tal amigo estivesse nesse estado, a coisa piora, por mais que eu não tenha sido o problema maior, mas sim o gatilho para a explosão.

Meu defeito (ou qualidade, não sei) é me importar demais com as pessoas, e pagarei por isso sempre.

Chorei ao ver um amigo partir no trabalho, pela segunda vez, e sei que ainda vou chorar a partida de outros... e a minha talvez. E me angustia saber que o estado atual de um grande amigo é devido ao fato de que eu fui o gatilho para tal sentimento.

O mais engraçado, que conste como uma piada momentânea, é que ao sair do trabalho, as duas e pouco da madrugada, vi um Porsche Cayenne passar pela rua...

10 de maio de 2010

O Protesto


Tarde fria de segunda feira.
Uma leve garoa cai sobre os paulistanos que se aventuram pelas ruas da cidade.
Muitos andam apressados, atravessam os faróis sem olhar para os lados, tão fechados em seus próprios mundos, seus pensamentos.
Eu ando meio sem rumo, passando o tempo com uma boa caminhada da Consolação até a Aclimação, também enterrado em meu mundinho de idéias malucas, coisas por escrever e algumas musicas barulhentas.
Dizem algumas pessoas que a capacidade de enxergar além dos muros, do concreto e asfalto, das vitrines com seus fantoches fantasiados e de expressão mórbida, em busca de coisas simples como um passarinho em seu ninho ou uma folha de árvore correndo o chão com a brisa, tornou-se algo muito difícil nos dias atuais.
E nessa tarde em especifico, um evento atípico chamou atenção de alguns daqueles que passaram pelo coração de São Paulo.
Um imenso arco-íris se formou por sobre a Avenida Paulista, na altura do bairro Paraíso e, por alguns instantes, todos estavam olhando para o céu sorrindo, contemplando a união perfeita das cores formadas por entre as nuvens.
Alguns sacaram maquinas fotograficas e bateram fotos, outros ligavam para casa para contar a amigos e familiares o que estavam vendo. O transito fluiu mais lento, sem buzinas ou gritos. Um repórter interrompeu as filmagens com um entrevistado frente ao prédio da FIESP e pediu que seu camera man filmasse o céu.
Eu, parado próximo a Luis Antonio, esqueci do copo de café quente em minhas mãos e sentei em uma mureta de jardim para observar.
É difícil agora, enquanto escrevo, pensar que momentos como esse podem ser difíceis de ocorrer novamente nos próximos anos, devido a degradação constante a que impomos o planeta.
Mais difícil ainda acreditar em um futuro em que, tão cegos, nós seres humanos iremos por tanta beleza a perder apenas por pensarmos apenas em nossas vidas, por pensarmos que devemos tirar proveito ao máximo do que temos hoje de forma a ter prazer com coisas fúteis enquanto vivos, já que depois de mortos nada mais fará sentido.
Para os seres humanos não interessa mais o próximo ou os próximos, mas sim o quão grande será a fatia do bolo que irá saciar nossas vontades agora.
Basicamente, muitos pensam que nada importa depois de morrer, que será apenas um corpo morto.
Claro, ainda existem aqueles que acreditam, que tem fé, e não digo "fé" como algum deus ou ceita em que se acredita, mas a simples fé de que a vida continua assim como o mundo que nos cerca, e que de fato não sabemos nada sobre o pós morte para dizer se voltaremos ou não a habitar outro corpo, seja humano, seja uma simples flor no jardim.
O que fica claro nesse momento é que a natureza ainda persiste, ainda procura, de forma simples, se mostrar presente em nossas vidas, e hoje ela escolheu parar uma das avenidas mais importantes da cidade para fazer um protesto silencioso e belo para nos lembrar do destino para o qual temos caminhado.

3 de fevereiro de 2010

Novo Velho Mundo

Existe um novo mundo lá fora.
E velho eu fiquei por esperar debruçado sobre os escombros de guerras terminadas.
Hoje sou apenas o apanhado de fins de frases ditas no calor das emoções, onde os destemidos se lançam sem pensar.

Existe um novo mundo lá fora.
E nele existem formas e modos para todas as coisas.
E nesse meio tempo em que estive atarefado com minhas necessidades surreais, não pude me adaptar a qualquer padrão estipulado como devidamente correto.

Existe um novo mundo lá fora.
Um mundo no qual meus pés sonham em alcançar, no qual meus dedos se esticam para tocar e meus olhos lutam para compreender tantas imagens diferentes.
E tolo eu fui por esperar que esse mundo viesse me buscar.

E ele veio

Me cerca sem deixar saídas, me engloba, me aperta contra as paredes, não pergunta o que penso ou quero, pois minha imagem ao relento não faz mais sentido frente a seus propósitos.
Me mastiga e destroi, suga meus sentidos e minhas palavras, me corroi os dentes, me seca a boca, me castiga com dores sem dar sinal de que vá me matar.

Mas no fundo ele vem para me salvar.

Abre meus olhos e bate na face.

Mostra o que no instante seguinte será velho como o que eu era e me deixa frente a uma mão de cartas novas em uma jogada previsível.

Antecipo a próxima jogada, passo a frente da destruição e quietude, enfrento os trovões do caminho e já sou um modelo adiante de qualquer evolução.

Existe um velho mundo lá fora, e com a certeza do que preciso, não mais ficarei para trás.