Cheguei tarde da noite.
Não tinha intenção de chegar tão tarde, ou pelo menos não tinha a intenção deliberada de demorar tanto pra chegar. As coisas foram simplesmente acontecendo, uma após a outra, numa sequência sutil no começo mas truculenta quando se percebe a velocidade. A vida é assim mesmo, não é?
Saquei do bolso o molho de chaves, algumas amareladas pelo tempo, desgastadas. Lembrei de colocar marcações em algumas delas em algum momento, trapinhos de papel com durex que hoje estão carcomidos, letras quase sumindo. Outras só se juntaram as demais para facilitar o acesso a elas em algum momento, como aquela do cadeado da bicicleta que nunca mais andei, ou da porta do apartamento na Brigadeiro Luis Antônio que deixei a anos atrás. Uma coleção de pedacinhos de metal e suas fechaduras nostálgicas.
Mas nessa noite, essa em que cheguei mais tarde do que deveria, eu sei qual chave pegar. A verdade é que ela nunca saiu da posição no aro metálico único dela. Esteve sempre lá quando sem querer colocava a mão no bolso e sentia as ranhuras atipicas que só ela tem, ou quando ao jogar o conjunto sobre a mesa ou prender no suporte da parede, o olhar se perdia em seu brilho e no detalhe azulado de plástico do nome do fabricante.
No fim não teve suspense, não teve ranger ou dobradiça enferrujada. A máquina funcionava perfeitamente bem e abraçou a chave em suas travas como se esperasse a uma eternidade por ela.
Aquela porta, a que levei anos demais para reabrir, a que deixei para trás sem entender porque, a que ignorei quando passei em frente perdido, a que me encarou quando parei de frente resoluto em demolir tudo, a que me escorou a cabeça quando estive sozinho em delírios obscuros, a que como objeto ainda que incólume tenha esperado por tanto tempo nesse banimento de memórias, se abriu tranquila como quem diz: já era hora meu bem, seja bem vindo de volta. Porque demorou? Por onde andou? Entre! Me conte novas histórias, o tempo segue firme lá fora, mas não se engane, ele passa aqui dentro também, ainda que macio. Aproveite o espaço. Ainda que muito tarde, é cedo para começar e ainda temos algum tempo.
E assim aqui estou, depois de tanto sobreviver, de tanto viver, de tanto bater e tanto apanhar, de tanto chorar e sorrir e afagar e partir, nessa noite única como somente ela pode ser, voltei ao meu espaço.
Ainda que o silêncio me olhe do lado oposto, não me espanto ou me incomodo. Tomo de volta meu espaço, moverei meus móveis como e quando quiser, deitarei onde for de minha vontade e largarei frases soltas por onde puder. Ainda que no fim todo esse aglomerado de pensamentos vivos acabe por se tornar meu legado (e essa é apenas uma esperança para dias que virão), essa noite devo apenas apreciar mais uma vez a luz e a brisa leve entrando pela porta aberta, afinal, a vida é assim mesmo, não é?
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