14 de julho de 2008

Isto está começando a doer de verdade (parte 5)



Esse será o fim...




Já faziam algumas boas horas e ele continuava ali, jogado no canto mais escuro e úmido do bar, solitário como sempre, tentando desvendar todos os mistérios por detrás de cada olhar recebido pelos desconhecidos que entravam e saiam do estabelecimento.
Seus pulsos estavam presos por um par de algemas impiedosas, formadas pelo fino laço de seus pensamentos mais profundos, que não exitavam em rasgar sua mente a qualquer tentativa de distração, voluntaria ou não.
Cerveja esquentando na mesa, uma porção de provolone embebida em azeite e uma pitada de sal para dar algum sabor, e ele, com suas costas arqueadas em direção a mesa, contemplava calmamente o movimento das prostitutas rua acima, chamando táxis para mais uma festa particular. Para os que pagavam, é claro.
Puxou a pequena caixa metálica do bolso e abriu com um leve balanço dos dedos. Com outro movimento afastou o fino papel e recolheu uma das pequenas balas brancas, mentoladas, suas favoritas.
Pondo na boca, parou um segundo até sentir o sabor doce se espalhar pela língua. Agora era a hora para o segundo movimento.
Sacou de outro bolso o pacote de cigarros, finos, suaves e logo acendeu um. Puxou ar com os pulmões forçando a primeira tragada, para que o cigarro iniciasse sua destruição.
Tudo aquilo o embriagava, numa espécie de ritual macabro onde o unico envolvido seria ele.
Pensava em chorar, em beber tudo o que podia, comemorar uma solidão mórbida e inevitavel, e por fim, rir de tudo, como se sua vida fosse parte de uma piada mortal.
O silêncio e uma leve brisa era tudo o que restava para ele naquele momento, assim como certos objetos que o rodeavam desde que teve conciência de quem realmente era.
Um deles, perpetuamente pulava para fora de seu bolso, como se tivesse vida e vontade própria.
O tempo, naquele objeto, não influenciou em nada, a espera por sua mão foi mais forte, o ferro de que era revestido durou, e duraria pela eternidade se fosse preciso.
Segurando por entre as mãos ele reconheceu seu peso, seu metal frio, seu cabo grosso e aspero, seus angulos plenamente formados para dar fim a coisas não terminadas, e dentro repousava um presente maligno para quem o recebesse, e extremamente benéfico para quem o oferecesse.
Tomando o objeto em sua mão, a vontade louca de puxar aquele gatilho que sempre o levava a outros lugares desconhecidos, percebeu que havia chegado a hora de dispensar alguma dor, alguma forma de acabar com tanto sofrimento, ainda que momentaneo.
Puxou uma pequena caderneta de um de seus bolsos, e com o objeto metálico, iniciou um pequeno romance, que perduraria até que, enfim, não doesse tanto quanto um dia o fez sofrer.
E pensava: Quanto as coisas podem oferecer de dor?

11 de julho de 2008

Quando eu era criança...

...aprontava poucas e boas, mas acredito que todo aprontam coisas que vão guardar e um dia contar para os netos, como se fosse a coisa mais inocente do mundo.
O fato é que hoje em dia vejo que algumas de minhas atitudes inocentes levaram a processos de modificação para tudo aquilo onde coloquei meu santo dedinho infantil.
Posso dizer que não era uma criança das mais intelectuais e reflectivas do mundo. Estava pouco me ferrando para o que poderia acontecer, então aprontei, deveras!
Quando adulto fica muito mais claro de reparar o quanto podemos mudar as coisas com atitudes impensadas.
Existia lá na cidadezinha de onde venho, uma distribuidora de refrigerantes. Era uma empresa grande, bem conhecida na cidade. Inclusive empregava boa parte da cidade, mas isso não vem ao caso.
Acordava todos os dias por volta das 5 da manhã, tomava meu café, pão com manteiga, e partia a pé para a escola, onde entrava lá pelas 7. Porém, no caminho havia essa empresa.
Então, num dia frio, chuvoso, reparei que os caminhões que guardavam as encomendas para serem entregues, ficavam estacionados na parte de trás da empresa, onde não havia praticamente nada, a não ser uma avenida pouco movimentada e um rio semi-poluído.
Via aqueles grandes caminhões coloridos, cobertos por lonas verdes manchadas por tantos dias de sol e chuva, e ficava curioso... O que teria por debaixo da lona?
Nesse dia frio resolvi então descobrir o segredo das lonas.
Fui caminhando ao lado do caminhão mais próximo, larguei meu guarda chuva próximo ao pneu, escalei pela beirada e desamarrei uma das cordas que seguravam a lona para facilitar minha incursão.
Usando um pouco de força, levantei a lona e dei uma breve espiada, e qual não foi minha surpresa ao perceber que se tratava de um carregamento de refrigerantes!
Criança sadia, pouco açúcar no sangue, precisava consumir uma ou duas garrafinhas diárias daquele elixir maravilhoso que vinha envasado em garrafinhas transparentes e com logotipos chamativos.
Peguei ali três ou quatro garrafinhas e voltei pra casa contente por ter algo para beber pelo resto da tarde. O detalhe é que o caso prosseguiu por mais alguns dias.
Creio que mês e meio depois dessas visitas aos caminhões de entrega, a empresa abriu falência e fechou.
Foi então que, a alguns dias atrás, observando algumas pesquisas que eu fazia pela internet, me deparei com uma noticia lá da minha cidadezinha, de um jornal bem antigo, da época em que eu bebia meus refrigerantes, e descobri que o motivo pelo qual a empresa faliu foi: desvio de verbas pelos donos da empresa e DESVIO DE MERCADORIAS, ASSIM COMO PROBLEMAS CONSECUTIVOS DE FALTA DA MESMA DURANTE A ENTREGA!
Acredito hoje que, se um avião cair em algum lugar, não serei responsável por ele, mas se uma empresa de refrigerantes de minha cidade natal fechou, eu tive... ahmm, digamos... certo envolvimento no caso!
Coisas que só fazemos quando somos crianças...