24 de outubro de 2009

Sobre o olhar e o que não pode ser dito


Resolvemos comer comida mexicana, com burritos, chilli e nachos.
Sentamos perto da janela, lugar mais arejado do pequeno restaurante que sucumbia frente ao calor de trinta graus daquela tarde.
Estávamos a vontade, observando as pessoas que passeavam na rua Augusta na tão conhecida hora do rush da região da avenida Paulista, mas não tinhamos nada por fazer naquela tarde de sol, o que nos tornava iscas fáceis para nossas vontades já tão visíveis em cada sorriso.
Momentos antes, em uma loja de artigos para artistas, não saiamos um do lado do outro, percorrendo cada corredor com tamanha calma que chegava a assustar os vendedores.
Abri meu refrigerante e lhe ofereci um gole, iniciando o processo de educação familiar de sempre oferecer e sempre negar.
Começamos pelos petiscos envoltos em cremosos molhos de queijo e salsa, enquanto conversávamos sobre assuntos diversos, sempre tendo aqueles pequenos contatos de olhos no olho e de fuga do olhar, por uma vergonha indecente, como quem sai nu na rua.
Mas éramos dois olhares lutando por conquista, a mesma conquista, tentando invadir um ao outro e descobrir as reais palavras e sentimentos por detrás de cada sorriso e cada retirada de aproximação. Uma guerra inútil onde perdedores e ganhadores são sempre os mesmos.
Comentávamos sobre musicas, sobre pessoas, sobre lugares que tinhamos vontade de conhecer, sobre futuros incertos ou inevitáveis, sobre o lugar de onde viemos e o lugar onde íamos parar.
Contamos histórias um ao outro, falamos do que tinhamos medo e do que mais gostávamos, e em determinado momento, como prega o manual de instruções dos futuros casai em fase de conhecimento mutuo, um silêncio pairou.
Um silêncio repentino, meio descompromissado, forjado na lei na inevitabilidade onde os assuntos acabam, e só nos restou olhar um ao outro, na espera pela próxima frase, e ela veio, tão sutil como a vontade de simplesmente nada mais dizer e apenas apreciar a companhia.
Tal frase não pode ser dita, não existem palavras que formem uma expressão tão singela, pois só pode ser entendida através do pensar e do saber que a pessoa a sua frente pensa exatamente o mesmo, e não encontra meios de dizer.
E nesse momento, nesse delicado momento, somente um sorriso tem o poder de entregar ao outro a cumplicidade existente na troca de olhares.
Desse dia em diante tivemos o prazer de dividir vários momentos dessa natureza e posso dizer que agora estou feliz.

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