19 de maio de 2008

Isto está começando a doer de verdade (parte 4)


Dando continuidade na série de contos.




Era tarde quando chegou.

O silêncio e uma leve brisa era tudo o que restava no aposento, mas algo ainda a esperava na sala dos fundos, algo realmente importante, que nada tem feito nos últimos anos a não ser esperar por seu leve toque.

E ela chegou, antes tarde do que nunca!

Nunca... palavra as vezes amistosa quando usada para se referir a coisas que deveriam ser eternas, que nunca iriam se acabar, mas essas frases prontas nunca funcionam de verdade, e agora ela sabia disso.

Mas aquele nunca, exatamente aquele que a esperava a tanto tempo dentro do armário de seu antigo quarto, onde morou durante muito tempo com sua familia aparentemente feliz, aquele ali nunca sairia de seu lugar sozinho. Precisava de um motivo, um bom motivo, e ela tinha todos.

A casa, agora abandonada, era pó e escombros. Mobilia antiga dos tempos de sua juventude, escadas rangentes, portas derrubadas, cortinas rasgadas e enegrecidas, tabetes e traças, e tudo aquilo que fez parte de sua vida, voltava agora a seu mundo real, mas sentindo todo o peso de cada lembrança ali presente. Velhas lembranças em forma de pano e madeira.

Subiu decidida as escadas, cruzou o pequeno corredor com dois grandes passos e abriu a porta com um leve jogo de ombro, exatamente como faria se fosse a dez anos atrás. Entrou e viu o que lhe esperava.

Nada muito diferente do resto da casa, se não mais escombros do que um dia foi sua cama e seu armario, mas algo debaixo daquele amontoado de madeira chamava sua atenção, chamava, clamava, pedia sua atenção.

E separando algumas ripas de madeira podre e pedaços de ferro retorcido, chegou ao que lhe aguardava.

O tempo, naquele objeto, não influenciou em nada, a espera por sua mão foi mais forte, o aço de que era revestido durou, e duraria pela eternidade se fosse preciso.

Estava ali, da forma como havia sido guardada.

Segurando por entre as mãos ela reconheceu seu peso, seu metal frio, seu cabo grosso e aspero, seus angulos plenamente formados para dar fim a coisas não terminadas, e dentro repousava um presente maligno para quem o recebesse, e extremamente benéfico para quem o oferecesse.

Tomando o objeto em uma só mão, sentiu o gatilho, fragil, louco por uma boa mira, mas resolveu guardar o momento, pois quando chegasse a hora certa, aquilo certamente iria doer.

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