25 de abril de 2009

Enterro

Ajustou a capa de chuva sobre o corpo.
Algumas gotas lhe escorriam pelas costas dando uma sensação de calafrio.
O caixão que via a sua frente tinha uma cor de madeira boa, daquelas que insetos demorariam uma eternidade para corroer para chegar até a carne fresca, mas a eternidade estava a favor dos vermes, pois o corpo presente no funeral não iria se impor as mordidas furiosas.
Era uma tarde de sexta feira, havia uma semana que a chuva não dava trégua, como se soubesse sobre o golpe misericordioso que o corpo inerte sofreria.
Todas as coisas, todos os momentos, todo e qualquer motivo convergia a aquele ponto, logo a lei da inevitabilidade se fez infalível novamente.
Olhava fixamente para o túmulo exposto, sem ligar para as palavras do padre a sua frene.
Pobre homem aquele de batina, pois mal sabia o passado daquele que era velado. Se soubesse sequer um terço da história daquele corpo mórbido, certamente recusaria oferecer o Pai Nosso e a Ave Maria.
Aquele maldito sendo enterrado ia direto para o inferno cumprimentar o demonio numa mesa posta para o chá da tarde.
Algumas gotas passavam pelo óculos redondo, acertando em cheio as lentes grossas, ainda que o chapéu estivesse no ângulo correto para a proteção.
Mas quem nesse mudo está protegido daquelas gotas de maldade que insistem em atacar os corpos desprevenidos? Que está plenamente seguro das gotas demoníacas que contornam o ser mais puro a ponto de plantar as sementes do mal, de forma a apenas aguardar que elas germinem e se tornem firmes o bastante para nunca mais serem arrancadas?
Aquele monte de carne em processo de deteriorização não significava mais nada, pois o mal já estava feito e só o tempo se encarregaria de levar as lembranças direto para o esquecimento.
O homem parado frente a cova lembrava palavras de sua mãe, dizendo que o que colhemos é exatamente o que plantamos, que o destino é imparcial, que não nos cabe decidir o que é bom ou ruim, que o futuro nada mais é que uma repetição do passado.
Uma pá de terra molhada foi lançada, um baque surdo foi a única resposta da caixa imóvel, a vida prosseguia frente a morte de outros e a única coisa que aquele homem parado na borda do túmulo poderia fazer é seguir em frente.
Sinal da cruz em respeito ao cadáver, um ultimo olhar, meia volta, passos decididos e a vida seguiria seu curso.

Um comentário:

Ana P. disse...

Muito fúnebre para um sábado que, por mais tedioso que seja, ainda é um sábado.

Mas de qualquer forma, isso me lembra aquela eterna mania de tornar todo mundo que morre em boa pessoa. Cago para o padre e a bondade e afins.

Meu funeral vai ser O MAIOR, o mais divertido, e inesquecível. Se quiser, te coloco na lista da fanfarra!

E serei cremada. Se ninguém comeu em vida, não vão ser os vermes que vão comer na morte!