27 de janeiro de 2011

Corotinho


Ele bebia, todo mundo sabia, mas qual era o problema? Bêbado que é bêbado não se esconde!

Essa história vem lá do interior, Atibaia, sobre um camarada que ninguém lembra o nome, e nem lembraria mesmo, já que sua sua vontade por uma dose de cachaça era muito maior do que qualquer apresentação.

Pense em alguém que é bêbado com orgulho, sem ser aquele chato que gruda no seu pescoço ou que inventa de contar todas as histórias do mundo em uma língua inexistente para as pessoas sóbrias. Pense em alguém que na primeira hora do dia vem lá de qualquer lugar, meio cambaleante e lhe pede para comprar uma aguardente vagabunda ao custo de um real.

Sim, esse é o cidadão de nossa história, e para termos um nome apenas para lembrar, vamos chamar esse homem de "Corotinho".

Corote, lá no interior, diz respeito a embalagem na qual a aguardente vinha envasada, e a qual, todos os dias, nosso amigo Corotinho pedia aos transeuntes. Não era um pedido de bêbado chato, grudento e seboso, mas de uma pessoa educada, fina, que primeiramente gostava de saber como estava seu dia, para onde você iria e o que faria, logicamente iniciado por um bom dia, boa tarde ou boa noite. Detalhe, sempre com um largo sorriso!

Imagine-se indo para o trabalho, sete e meia da manhã, gosto de pão com manteiga e café com leite ainda passeando pela língua recem escovada. O caminho é de barro batido com um pouco de cascalho nas bordas para chupar a água das chuvas. Nesse caminho de meia hora para o trabalho, você cruza com um senhor de cabelo despenteado, camiseta pólo azul sem os botões da gola, o barrigão escapando por cima da fivela do cinto, calça pega frango e chinelos gastos. Ele abre um sorriso onde faltam todo o time de dentes, sobrando talvez o centro avante e um ou outro zagueiro no fundo.

Se estivessemos em São Paulo, certamente não daríamos atenção, mas no interior é diferente. Em cidade pequena todo mundo se conhece e sabe de onde vem. Minha mãe falava que era o caso de alguém soltar um pum de um lado da cidade e todo mundo do outro lado sentir o cheiro e detectar quem era o dono. Nesse caso não era diferente, pois todos sabiam que o Corotinho morava em uma casinha perto do rio, que não tinha muita coisa por lá além de uma cama para dormir. Família mesmo ele não tinha por aquelas bandas, e somente os mais velhos da cidade sabiam a respeito de sua família e sua origem, e o tratavam com muito respeito e varias garrafas diárias de sua bebidinha companheira.

Todos gostavam dele, não fazia mal para ninguém, era mais educado que muita daquela gente e era sincero de verdade porque não dizia que queria dinheiro para comprar pão e ia gastar com cigarro ou mulheres. Queria mesmo era cachaça e nada mais e aquele que não acreditasse em sua vontade, que comprasse a garrafinha para ele beber ali em frente então.

O caso é que passaram dois dias até o povo perceber que o Corotinho não tinha aparecido nas redondezas do mercadinho ou da padaria como costumava, e junto com um sentimento de curiosidade, as pessoas sentiram um misto de medo e tristeza.

Foram encontrar o corpo em uma das trilhas que dava para sua casa. Jogado no chão, cheio de barro e coberto de moscas, e em suas mãos estava a garrafa de corote, a companheira de todos os momentos, seu único desejo e único presente.

Morreu bebendo, e todo mundo sabia.

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