26 de abril de 2009

Chuva

Era só mais uma noite fria e chuvosa.
Meu café esfriava rapidamente, meus cigarros duravam uma tragada e as pessoas entravam e saiam aos montes pela porta de entrada.
Ou será que passei mais tempo que o normal sentado ali sozinho? Não sei, e não me importo.
A noite ia alta de céu coberto de nuvens espessas, ansiosas por derramar toda sua fúria sobre as paredes de concreto e telhados.
Era minha maldição toda aquela água prestes a cair, pois sabia que assim que meus pés tocassem a calçada toda aquela festa de raios e trovões começariam novamente.
Pela janela eu podia ver o céu, via alguns clarões rápidos, como quem recebe uma mensagem dizendo "é isso ai rapaz, estamos aqui só para você!"
Podia ter me abrigado naquele café de porta chamativa, mas não iria conseguir fugir por muito mais tempo, mas tudo bem, não me importava.
Meu chapéu repousava sobre o balcão, junto de minha capa e meu jornal. Mais uma xícara de café quente, um pão de queijo talvez, um cigarro e era tudo o que eu tinha.
Certa vez, um amigo em dificuldades, ao explicar o porque de algumas atitudes que não convém comentar, disse uma frase que tem sua razão.
A gente trabalha com o que tem.
E ali estava eu trabalhando com o que tinha de trocados na carteira e ideias pessimistas.
Ao meu redor as pessoas conversavam animadamente. Reviravoltas no trabalho, coisas de família, a vitória de um time qualquer, sobre a chuva que não parava.
Não me era estranho ir parar naquela cafeteria, tarde da noite, sozinho. Tantas foram as vezes em que me vi entregue ao silencio e aquele abraço gélido já estava virando um costume, então porque me preocupar?
A sineta da porta tocou chamando minha atenção, mas ao ver quem entrava minhas ultimas pontas de esperança foram consumidas sem propósito, e, além do mais, seria impossível tal pessoa aparecer, não apenas pela distancia que nos separava, mas sim pela falta de vontade.
Larguei as moedas sobre o balcão de madeira, chapéu, capa e jornal em punhos, me precipitei para a noite, para aquela que não me abandonava, e que já me recebia com a garoa.

25 de abril de 2009

Enterro

Ajustou a capa de chuva sobre o corpo.
Algumas gotas lhe escorriam pelas costas dando uma sensação de calafrio.
O caixão que via a sua frente tinha uma cor de madeira boa, daquelas que insetos demorariam uma eternidade para corroer para chegar até a carne fresca, mas a eternidade estava a favor dos vermes, pois o corpo presente no funeral não iria se impor as mordidas furiosas.
Era uma tarde de sexta feira, havia uma semana que a chuva não dava trégua, como se soubesse sobre o golpe misericordioso que o corpo inerte sofreria.
Todas as coisas, todos os momentos, todo e qualquer motivo convergia a aquele ponto, logo a lei da inevitabilidade se fez infalível novamente.
Olhava fixamente para o túmulo exposto, sem ligar para as palavras do padre a sua frene.
Pobre homem aquele de batina, pois mal sabia o passado daquele que era velado. Se soubesse sequer um terço da história daquele corpo mórbido, certamente recusaria oferecer o Pai Nosso e a Ave Maria.
Aquele maldito sendo enterrado ia direto para o inferno cumprimentar o demonio numa mesa posta para o chá da tarde.
Algumas gotas passavam pelo óculos redondo, acertando em cheio as lentes grossas, ainda que o chapéu estivesse no ângulo correto para a proteção.
Mas quem nesse mudo está protegido daquelas gotas de maldade que insistem em atacar os corpos desprevenidos? Que está plenamente seguro das gotas demoníacas que contornam o ser mais puro a ponto de plantar as sementes do mal, de forma a apenas aguardar que elas germinem e se tornem firmes o bastante para nunca mais serem arrancadas?
Aquele monte de carne em processo de deteriorização não significava mais nada, pois o mal já estava feito e só o tempo se encarregaria de levar as lembranças direto para o esquecimento.
O homem parado frente a cova lembrava palavras de sua mãe, dizendo que o que colhemos é exatamente o que plantamos, que o destino é imparcial, que não nos cabe decidir o que é bom ou ruim, que o futuro nada mais é que uma repetição do passado.
Uma pá de terra molhada foi lançada, um baque surdo foi a única resposta da caixa imóvel, a vida prosseguia frente a morte de outros e a única coisa que aquele homem parado na borda do túmulo poderia fazer é seguir em frente.
Sinal da cruz em respeito ao cadáver, um ultimo olhar, meia volta, passos decididos e a vida seguiria seu curso.

24 de abril de 2009

Tocar


Toco meu coração
como uma canção desesperada
através da bruma
que inebria
Toco meu coração
luvas de pelica
e que a dor não volte
para estragar o por do sol
Troco meus passos
fantasiado
pierro
pela fanfarra
Misturo minhas palavras
faço uma nuvem no céu
pela chuva
pelas trevas
E o que os olhos
não enxergam
sirva para amaciar
amansar a alma
Avante
tocar o intocável
mergulhar
sem mais ar
Ouço um grito
em meio a tempestade
mas firmo minha capa
já me molhei o bastante
O tempo vai passando
a chuva vai parando
toco minha vida
e meu coração

22 de abril de 2009

Contra Mão


Vamos trocar
o dito pelo não dito
o dito e o feito
o efeito
dois tiros para o alto
Retroceder é preciso
o tropeço era iminente
olhe para trás
são cem passos para um
Não precisa tentar entender
a banda ainda toca
são velhas canções
um solo interminável
Me de aqui mais um beijo
um abraço forte
me de as costas
e vá embora
Nunca me foi tão doce
um amanhecer solitário
os anos tornam a passar
eu não ligo
contra mão
do destino
Um samba
uma batida de ninar
mas não quero
as mesmas mentiras
Já estive no inferno
cadeira cativa
aviso aos navegantes
a fila é dura
Vamos trocar
esses truques velhos
pague as contas
e siga em frente
Me de aqui mais um olhar
um suspiro aliviado
me de um aceno
e um ponto final

21 de abril de 2009

Standby...

Chamem como quiserem. Azar, má sorte, destino cruel, jogo miserável onde o único perdedor é sempre aquele que não tem carta nenhuma a disposição... enfim, mudança terminada, mas nada tem dado muito certo.
Vamos começar pelos serviços prestados pela empresa Telefonica.
Eu tinha tudo planejado. Iria fazer a mudança do numero de telefone antigo para o apartamento novo uma semana antes de efetuar a mudança de residência, assim daria tempo suficiente para chegar lá e ter o telefone instalado e pronto para usar.
Resultado: falhou.
Hoje faz um mês e meio que me mudei e ainda estou sem telefone, sem internet e sem contato com o mundo cibernético fora de lan houses, o que me levou a um estresse, maior consumo de café, tempo perdido na rua, inicio de férias frustradas e assinatura dos serviços da cia NET. Até ai, tudo bem.
Agora vamos a nova residência.
Confortável, charmosa, árvores dentro de um condomínio fechado, vizinhos amáveis, tudo nos conformes, tirando um pequenino detalhe: leis obsessivas e rígidas demais para três rapazes.
Horários psicodélicos que restringem a mudança, proteção extrema para quem entra ou sai do condomínio, cameras para todos os lados, problemas para ligar o maldito gás (burocracia), seguranças que acham interessante ficar olhando pelo vitrô da sala enquanto fazemos performances magnificas no Guitar Hero e muito mais...
O agravante mesmo é o gás.
Veja bem, condomínios novos funcionam com sistema de gás para aquecimento da água no apartamento, portanto, se não tem gás, não tem chuveiro quente.
Imaginem ai, um mês de banho gelado, isso sem contar as escapadas para casas de amigos e familiares em busca de um banho quentinho.
Pode ser pior? Sim, sempre pode piorar!
O camarada que ia instalar a NET estava agendado para hoje de manhã, e ele veio no horário combinado, mas pelas leis do condomínio não podem ser executadas nenhum tipo de concerto, reparo, instalação ou visita para inspeção aos finais de semana e feriados. O cara mal encostou na portaria e foi mandado pra casa.
Isso quer dizer também que, caso a velha do apartamento do lado resolver ter um ataque do coração num feriado, os médicos não vão poder entrar no condomínio! Ha!
Outro probleminha é meu celular que parou de funcionar e me forçou a uma aquisição e mudança de plano, porém essa mudança de plano me força a ficar sem celular até depois de amanhã.
Além desse pequeno amontoado de problemas, tenho ainda vários outros que prefiro nem comentar para não tornar o momento mais delicado do que já está, portanto, abafa.
Sinto como se estivesse num daqueles momentos de standby forçado, economia de energia, e não tem nada que de pra fazer.
Mas faz parte, não é mesmo? Pra quem já está todo cagado, o que significa um peidinho?