3 de fevereiro de 2009

Vivo

Vestiu a farda, passada, lhe caia como uma luva no corpo.
Arrumou a arma calibre 38 na cintura, prendendo a corrente de segurança junto a algema brilhante.
Sentou a mesa para o café da manhã, seus filhos e sua esposa se juntaram para um momento de conversa, contar as novidades, notas boas na escola, horário marcado no cabeleireiro, festa de casamento do tenente no próximo final de semana.
Tomou seu gole de café, leu noticias de uma cidade putrida no jornal matinal, levantou-se, aprumou-se, seguiu em direção a delegacia.
Carro de patrulha, giroflex piscando como quem olha para todos os lados em busca da criminalidade, o radio chama algumas viaturas para o combate iminente, e o dele, é ele quem está mais próximo.
Acelera, passa voando pela Paulista, cruza a Dr Arnaldo queimando o farol, mas ele é a lei, ele pode.
Cruza um apanhado de ruas da Vila, chega no lugar do assalto, dois bandidos armados renderam um casal apaixonado que seguia para um lugar qualquer, e agora, era só eles contra as implacáveis balas de seu revolver.
As vitimas se escondiam atrás de uma banca de jornal, os bandidos corriam alucinados rua a dentro, ele, policial veterano, sabia que aquele era o momento de perseguir, render, atirar se fosse preciso.
Rua sem saída, cilada armada, dois futuros presos, um policial salvando o dia, uma medalha talvez e a sensação de dever cumprido.
Mas seu colete não estava preparado para o que viria.
Uma chuva de balas, policial caído, ferimento que atravessara seu estômago, dois últimos tiros, bandidos estatelados no asfalto.
Estava morrendo aos poucos, sangrava como que corria um rio para fora, deixava sua vida escorrer gotas negras, junto a um suor frio, uma tremedeira que prenunciava o fim.
Um som ao longe, uma ambulância vinha em seu socorro para tentar guardar os únicos fios de vida que o prendiam, mas ele sabia, era tarde demais.
Jogado na maca, utilizava de seus últimos momentos para espiar pela janela lateral no carro branco.
Pessoas nas ruas andavam calmamente, atravessavam ruas, conversavam em bares, trabalhavam em escritórios, seguiam suas vidas.
Ele era só um rosto pálido atrás de uma janela, que ninguém conhecia, que ninguém olhava, que ninguém desejava, que ninguém se interessava.
Lembrou de seus entes queridos deixados para trás, de seus filhos, de sua esposa, de seus netos que viriam um dia, de sua família crescendo, e de tantos outros que agora seguiriam suas vidas, como se nada tivesse acontecido.
Mas as pessoas são assim, ele pensou atônito, pois não se importam com a felicidade ou o bem estar alheio, mas sim com suas próprias necessidades, com suas vontades, suas mesquinharias anunciadas em forma de objetos que se pode comprar, acreditando que o verdadeiro caminha para a felicidade era obter as coisas para sí, sempre mais e mais.
Deu sua vida por uma ordem desordenada, por um mundo corrupto e desonesto, por tantos outros que iriam ver sua foto no jornal do dia seguinte e fechar o jornal, engolindo seus últimos goles de café gelado.
Acalmou-se, sentiu o frio correr a espinha, o sangue chegando ao fim de sua fonte, o mundo girar, os olhos fecharem, adormecer.

Um comentário:

Nina disse...

Putz.
E eu chorei.