28 de julho de 2009

Enigma da Esfinge


Mais um dia.
Sai daquele café com a sensação de que nada iria mudar.
A chuva, de fato, aguardava minha presença para que pudesse retornar a sua brilhante melodia, tocada no impacto das pequenas gotas no asfalto e nos telhados.
O jornal tive de dispensar em uma lata de lixo, ensopado, misturando noticias com as letras que derretiam.
Sem guarda chuva, meu chapéu e meu casaco era tudo o que me restava, assim como alguns cigarros amassados em um bolso e umas fichas para alguma urgência, um telefonema rápido talvez.
Mas que desgraça! Para quem ligaria em urgência? Ao Papa? Certamente me indicaria o CVV ou alguma ponte próxima para me jogar.
A noite caia e todos os lugares onde poderia me esconder já estavam fechados, e a vontade de ir para casa já não existia, pois a segurança que me proporcionava era apenas parcial, já que nada poderia me manter longe de meus demonios pessoais, que saltavam a meu lado, batendo palmas enquanto esperavam que me rendesse as suas paranóias.
Sem rumo, me abriguei próximo de uma grande estátua de um parque público, que parecia simplesmente repelir as gotas para longe, cerca de uns dez passos a sua volta.
Sentei calmamente a seus pés, repousei o chapéu sobre o colo, um lenço do bolso interno do casaco e retirei os óculos para limpar a espessa camada de água da lente.

- Decifra-me ou devoro-te

A voz feminina vinha detrás de mim. Calma, suave, tão delicada que podia-se facilmente cair de amores, sem ao menos saber de onde vinha, e por tal motivo, resolvi nem ao menos me mover para olhar, mas apenas responder, tentando me aproximar do mesmo tom calmo e simples.

- Me encontrou finalmente. Mal podia esperar por tal momento.
- Édipo, aquele que me vence e me destrói, ainda que não me toque ou levante espadas e lanças. Aquele que simplesmente me responde e elimina um problema, para criar tantos outros problemas quanto pode aguentar.
- Sei dos males que causei, sei dos problemas que tive de enfrentar, e sei muito mais sobre o que vem adiante já que meu passado, tantas vezes recontado como futuro, desenrola a minha frente a inevitabilidade de fatos que só eu tenho o poder de interromper e mudar.
- Incrível que tais olhos, que certamente serão destruídos, vejam agora a realidade das escolhas.
- Sim, e por tal fato lhe digo nesse momento que não responderei a seu desafio.

Minha cabeça girava e pedia desesperadamente pelo conforto que meu ultimo cigarro, o derradeiro, poderia me oferecer.
Acendi calmamente com o fosforo, inalando toda a fumaça química presente no pequeno palito. A chama cobriu a pequena área presente na ponta, transformando os primeiros pedaços de tabaco em cinzas.
Sabia que a Esfinge esperava atrás de mim para saber o motivo de minha recusa, e que assim permaneceria até obter resposta, indiferente a quanto tempo fosse levar em meu ritual.
Dei uns dois tragos antes de responder, por fim, com os motivos de tal decisão.

- Meu fim tem sido o mesmo desde tempos imemoriaveis. Nada muda desde meu nascimento até o momento em que, cego para todas as coisas, resolvo mergulhar nas águas da eternidade. Nada mais me desafia e nada mais me comove nesse caminho sangrento ao qual estou destinado.
"Então me pergunto, porque tenho de seguir com está história fadada a infelicidade, ferindo tantos inocentes, prejudicando a vida de tantas pessoas que apenas queriam viver!"
"Digo nesse momento, cara Esfinge, que não me importo com o que venha acontecer, desde que me venha algo novo. Que não siga nesta corrente de destruição."
"Quero que me devore, que me mastigue aos poucos. Me deixe sentir tudo aquilo que nunca pude ao escapar de suas garras."
"Quero que seja lento, que me olhe nos olhos enquanto rasga minha carne e despeja ao chão minhas entranhas. E que me tenha com carinho, como a caça que pelo bem da maioria se dispôs a servir de alimento a grande besta."
" Mas veja que me entrego não apenas por estas razões visivelmente humanas, mas sim pela possibilidade de descobrir o que me espera do outro lado, tão distante dessa eternidade em ciclos viciosos."
"Hoje tenho que lhe dizer, que mesmo tendo a resposta pronta para a pergunta que me faria, nego entrega-la para que enfim tenha meu tão merecido descanso, portanto, vá em frente e me devore o quanto antes."

Joguei a bituca ao chão, em um canto onde a chuva pudesse dar conta da pequena brasa que resistia junto ao filtro, e me preparei para ser engolido pelo severo monstro.

- Veja Édipo, que o grande enigma é exatamente o quanto estamos dispostos a viver para responde-lo. Hoje, me provou que a necessidade real é outra, portanto lhe entrego enigma maior, que é tentar descobrir o que está por vir, frente as mudanças causadas por sua escolha. - disse a Esfinge, tendo sua voz misturada ao som da chuva quando terminou suas palavras.
Incrédulo, virei na tentativa de encontrar ali minha julgadora e impor que me devorasse, mas apenas uma estátua negra permanecia ali, quieta, recebendo as gotas como todo o resto a sua volta.
Para mim nada mais restava, a não ser seguir em frente e colher os novos frutos dessa semente recém plantada, e a chuva cuidaria de as fazer germinar.

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