20 de março de 2009

Mudanças


Tenho caixas para todos os lados da casa, coisas empilhadas, livros empoeirados, cds fora das caixas e papéis de todos os tipos que nem me lembro onde foi que eu os consegui.
Minha geladeira fede a alguma coisa que tenho certeza que não estava guardada lá dentro, meu microondas tem marcas da ultima pipoca de saquinho que se recusou a permanecer fechada durante o preparo, pratos, copos e panelas amontoados em cima da pia esperando por serem guardados de forma duvidosa, ou seja, terei perdas no caminho.
Meu computador, ainda montado, como poucas coisas, grita musicas de todos os tipos para tentar me manter focado nas coisas que preciso fazer, e, caramba, são tantas coisas que o quadro branco de avisos está simplesmente lotado de ponta a ponta.
Ligar para a imobiliária, ligar para o carreto, me alimentar direito, jogar um monte de lixo fora, separar as roupas sujas das limpas, transferir a linha telefonica, fazer cópia das chaves do novo apartamento, cuidar para não perder nada no caminho, enfim, tanta coisa que meu cérebro está pedindo por umas férias.
Todo ser humano precisa disso, mudanças, seja lá de que forma ela venha.
Seja mudança de emprego, de residência, de espírito, de hábitos, de família, de amor, enfim, precisa dessa palavrinha magica para tentar fazer as coisas acontecerem em sua vida.
A carga de esperança que essa palavra carrega também é algo que merece ser mencionado, porque indiferente a nossa vontade, sempre temos esperança de que tudo de certo, ou não.
Acredito também que todo aquele que deseja mudar de verdade pode conseguir, mas são tantos os que desistem no caminho, que não resistem a força de voltar aos velhos hábitos que as vezes me ponho em duvida quanto a essa possibilidade. O pior é quando existe essa falsa promessa de mudar, quando se escuta sempre a mesma coisa, quando sabemos que a mudança prometida trata-se de uma mentira colossal, mas pessoas são pessoas, e cada um tem suas formas de fazer o que bem entende quando a ideia é ser diferente do que se era antes, seja para o bem, seja para o mal.
O que eu espero com essa mudança maluca é que eu tenha um pouco de paz, que eu consiga um lugar melhor para guardar tantos sentimentos conflitantes que vieram me perturbar em tão pouco tempo.
Mas tudo bem, agora eu tenho caixas, de todos os tipos, tamanhos e cores diferentes, então vou conseguir separar cada coisinha e guardar em lugares específicos, seja para relembrar todos os dias, seja para esconder e nunca mais achar.
Estou de mudança, indo para um lugar novo. O que vai acontecer dai por diante eu não sei e, numa boa, nem quero saber, só quero que venha da forma como tem de ser!

Havanos

São duas da manhã
No piso térreo de um flat da região dos Jardins, um lugar recebe a visita de quatro personagens inusitados.
É um lugar pequeno, todo a meia luz. Sofás de couro escuro, mesas de mogno, pequenas lamparinas, tapete clássico de filme anos 40, e não estranharia nem um pouco se me deparasse com um sujeito trajando capa de chuva, chapéu baixo sobre a cabeça, whisky cowboy e um charuto no canto da boca, com um distintivo do DPLA, sentado em uma das banquetas confortáveis do bar.
Escolhemos um conjunto de poltronas mais afastadas da entrada, em um local pouco visível, dando ar de chefes da máfia italiana.
Uma atendente veio ao nosso encontro:
- Boa noite senhores! O que desejam?
- O de costume. Traga quatro Havanos, uma água e quatro doses de whisky.
Quatro homens distintos, cada qual com seus problemas, com suas responsabilidades, com seus fantasmas atormentando suas cabeças como ratos destruindo um pedaço de queijo solto na rua.
Eles são homens sim, são seres humanos, e como tal não poderiam deixar de sofrer, e aquele lugar serviria como abatedouro para suas más lembranças e tudo aquilo que lhes faz mal.
A atendente acende delicadamente os charutos para os rapazes, enquanto um pequeno ritual tem inicio.
Um gole de água, um brinde as coisas mortas da vida, um gole de álcool que desliza e esquenta a garganta, um trago em um legitimo Havano feito a mão.
O sabor invade, extermina os maus presságios, arranca das profundezas de nossos pensamentos qualquer coisa que possa nos torturar dali em diante, abrir a boca, fumaça se esvai, e tudo o que era ruim, morre no ar como uma sombra frente as lamparinas.
Poderiam conversar sobre musica, sobre filmes em cartaz de diretores espetaculares, sobre pessoas que fizeram parte de suas vidas, sobre o que faria o mundo girar e ser da forma como é, filosofar sobre tudo e todos, mas preferem apenas permanecer calados, apreciar aquele momento como algo único.
São quatro da manhã.
Quatro cavalheiros a moda antiga saem da charutaria.
A chuva cai impiedosa, eles vestem seus casacos, pegam seus chapéus no cabide ao lado da porta, um cigarro, guarda chuvas abertos e o retorno a vida como ela deve ser.

15 de março de 2009

O Preço a se Pagar


Tem uma musica do Engenheiros do Hawaii que sempre escutei quando garoto e que me apresentou uma frase que trago comigo até hoje. Ela diz o seguinte:

"A duvida é o preço da pureza"

Tenho me envolvido muito com esse tema, acreditar ou não nas coisas, e cada vez mais descubro que é apenas opção nossa aceitar as coisas como elas são, ou simplesmente fazer o diabo para que sejam diferente.
Tenho pensado a respeito do que é ter família para cuidar, tenho lido em blogs de amigos sobre esse tema e sobre como o ser humano, enquanto estúpido, tende a aceitar as coisas da forma como são por pura preguiça ou acomodação.
Conversando com uma amiga hoje, fui surpreendido com uma pergunta que até então não havia me confrontado antes:

"Piero, quando foi que essa psicodelia começou?"

Fiquei nostálgico no momento, tentei lembrar de momentos dos últimos dias, meses, anos e na hora não soube responder exatamente, soltando apenas um "não sei, porra!" como resposta imediata, daquelas que a gente não faz muita força para pensar no momento, mas sabe que quando chegar em casa aquela perguntinha vai cair como uma bigorna de duas toneladas na nossa cabeça.
Mas como disse aquela musica, a duvida consumia minha pureza, pouco a pouco...
Comecei a perceber certas coisas estranhas pairando no ar frente a um apanhado de histórias, sendo algumas recentes e outras das quais alguns fatos me escapam da memória, mas que faziam certo sentido quando vistas todas juntas.
Fatos são fatos, e independente da minha versão para algumas histórias e da versão de terceiros, a verdade é sempre imparcial, é sempre um fato único.
Observando tudo isso então, aqui, sentadinho no meu sofá prediléto, tomando meu café da manhã, vendo tudo espalhado devido a uma futura mudança de apartamento, começo a colocar as peças no lugar, e ver algumas coisas que me cercam.
Para o momento atual, tenho algumas mentiras que me cercam, que não são minhas mentiras, porque não tenho essa mania absurda de inventar histórias canalhescas, mas essas mentiras estão em minhas costas e existem poucas formas de se acabar com elas, e todas são desastrosas.
Olhando para meu passado, vejo um monte de erros, situações mal resolvidas, que um dia virão me confrontar novamente e cobrar por tudo o que fiz.
Olhando para algumas pessoas ao meu redor eu vejo mentiras que se tornam verdade pela forma na qual as pessoas acreditam, já que a pior mentira é aquela que se conta tantas vezes que acabamos acreditando.
Vejo falsidade também, e isso me corrói. Se você é como diz ser, porque usa mascaras? É tão desnecessário!
Mas o pior cego é aquele que não quer ver, e não sou eu quem vai dar uma de salvador e tentar mostrar o caminho. De certa forma, quero mesmo é que se danem.
Olhando para dentro de mim, vejo algumas incertezas, alguns receios, vejo uma duvida crescendo por atitudes que julgo infantis, mais uma vez não de minha parte, mas que vem se tornando um fardo difícil de carregar.
Ora bolas, não sou santo, posso errar também, mas minha mãe me ensinou a ser um cara decente, assumir a autoria de minhas cagadas, pedir desculpas, arrumar minha bagunça quando for possível. É o mínimo que se espera das pessoas, dizia ela, mas veja bem mamãe, não é o que vejo nas pessoas.
Decência é artigo de luxo, do tipo "tem, mas acabou".
A musica segue então para outra frase:

"é inútil ter certeza"

Ontem assisti o filme "O Curioso Caso de Benjamim Button" e, em determinado momento, aparece um personagem que diz ter sido atingido por raio sete vezes, e quando ele finalmente explica o porque dos raios, diz algo a respeito de certas pessoas não terem certeza das coisas, mas que elas sempre vão sentir quando uma tempestade está por vir, e ai, por minha autoria complemento: Seja essa tempestade devastadora a ponto de destruir tudo o que "achamos" possuir, seja para simplesmente limpar tudo para que possamos começar tudo do zero.
No fim das contas, posso pagar um preço alto por minhas duvidas, e disso não vou escapar (e nem quero), porque posso sentir, não sou tolo, o futuro me guarda uma tempestade.

13 de março de 2009

E no café da manhã...

- Bom dia amor...
- Bom dia querido...
- Dormiu bem?
- Tive alguns pesadelos estranhos, uma cobra parada no batente da porta, meio que grudada, uma espécie de aranha...
- Era uma cobra ou uma aranha querida?
- Parecia uma cobra, mas também parecia uma aranha...
- Amor, ou era uma cobra, ou era uma aranha. São dois animais distintos!
- Porra, isso não vem ao caso. O sonho é meu e parecia com o que eu disser que se parecia, ok? Posso continuar?
- Certo, vamos em frente então... tome café, está esfriando...
- Fiquei olhando ela durante um tempo, e ela ficou me olhando de lá, de uma forma meio estranha, meio que tentando uma analisar a outra, entende?
- Não...
- Que merda, você não entende nada... me passa um pão... e a manteiga, por favor...
- Você perguntou e eu respondi, fui sincero, portanto, prossiga.
- Grosso.
-Obrigado. Prossiga.
- Enfim, ficou ali parada, me fitando com aqueles olhos enormes, tipo olhos de mosca...
- Putz, que zoológico incrível esse sonho. Uma cobra, que era uma aranha, que tinha olhos de mosca... tem certeza disso?
- Mas que merda cara! Dá para parar de me interromper? Já disse que o maldito sonho é meu!
- Certo, certo, desculpe, segue ai vai...
- Ficou assim durante algum tempo. tinha mais alguém comigo, eu disse que tinha uma cobra no batente, mas essa pessoa não me escutou. Então quando me virei pra dizer não sei o que...
- Para avisar novamente sobre a cobra?
- Isso, isso! Foi questão de segundos! De canto de olho vi a cobra se movimentar e se lançar contra mim! Mas o estranho é que quando ela pulou, eu estiquei minha mão para tentar pega-la, segurar antes do bote, sei lá, tomei um susto e acordei...
- Que merda hãm?
- Uma baita merda... tem queijo na geladeira?
- Do lado do leite... aparentemente não conseguiu dormir mais depois, certo?
- Exatamente, tô me sentindo péssima.
- Toma mais um gole de café, vai melhorar.
- É, sempre melhora... mas sinto que ela não queria me atacar de verdade... era como se quisesse se juntar a mim, se unir a mim, não sei bem como explicar.
- Sabe como se chama isso?
- Ham...
- Falta de sexo.
- Vai a merda... você não está me levando a sério.
- Quer que eu diga o que? Um pesadelo, com uma cobra, ou uma aranha, que parece uma mosca, que quer se unir a você? Pura conotação sexual... falta de sexo sem duvida alguma. Mais queijo?
- Pro inferno você e seu queijo! Tem de levar tudo sempre na maldade?
- Esse sou eu querida. Agora aguenta.
- Me poupe.
- Ridícula...
- Retardado...
- Besta...
- Panaca...
- Te amo, sabia?
- Eu também, mesmo você sendo escroto desse jeito...
- Obrigado... Temos nossos defeitos... Como jogar fora as bordas do pão...
- Não apertar a descarga...
- Largar calcinha molhada na porra da torneira do banheiro...
- Come seu pão amor...
-Ok...

11 de março de 2009

Sozinho Novamente


A vida segue
por rumos indecifráveis
inexplicável
dureza do destino
Sozinho novamente
como um estranho
para mim mesmo
mas não há nada novo
Como areia voando
como olhos se fechando
e num sopro
repito o mesmo nome
Ao meio dia
cruzei a praça central
um tiro
fim de jogo
Os bons sempre caem
talvez não sejam tão bons
como uma poesia
um risco de sofrimento
Nada funciona como deve
o simples torna-se complicado
o mesmo nome
lágrimas
Sinto
muito é o que sinto
sinto muito
mas para tantos
não há o que sentir
Sozinho novamente
cantando os mesmos sons
e as cordas
cortam meus dedos
Sofro
pés cortados pelo chão gelado
mas tinha de ser assim
não tinha?
Como uma taça quebrando
corpos em chamas
repito o mesmo nome
e minha memória se cala
Distante mundo dos sonhos
ousei pisar desprotegido
desconhecido
posto para fora
Sozinho novamente
um estranho sentimento
o retorno ao esquecimento
parece que me aguardava
Como vozes distantes
como almas rastejantes
o mesmo nome
eu eu acabo

10 de março de 2009

Dias de Fúria

O tempo anda corrido em momentos que deveria simplesmente parar, e em outros ele rasteja e prefere sufocar-me com tantos pensamentos.
Tenho tanto por fazer, tantas coisas que esperam escondidas todas as manhãs, que quase não me resta tempo para escrever ou sonhar um pouco.
Vejo meus dias como uma montanha russa nem um pouco divertida, um sobe e desce de emoções que me desintegra a cada novo avanço, a cada nova curva, mas sou forte, tenho de ser forte, não é mesmo? Então prossigo.
Uma mudança por fazer, um trabalho que me consome, um romance que me faz sonhar, uma solidão teimosa, amigos que passam, novidades que chegam, tempestades avassaladoras, dias de fúria.
Não se trata de uma reclamação, mas não posso deixar de citar que as vezes tenho apenas uma vontade meio maluca de desaparecer, ir dar com a cara em alguma praia no México, ser alguém diferente em um novo lugar, começar tudo novamente, até me ver bloqueado pelos mesmos problemas de antes.
E quando chega a noite, momento de descanso para muitos, fico acordado, ligado no 220, a cabeça pulando. Mordo os lábios até machucar, olho para todos os cantos desse pequeno apartamento, esfrego o rosto cansado, escuto algumas musicas para tentar escapar, folheio algum livro, tento fazer passar tudo, mas não tem adiantado muito contra minhas preocupações.
Mês que vem tiro férias, tenho lá algumas coisas planejadas, e deixei alguns dias livres para ser surpreendido pelo acaso, mas não estou muito confiante de que terei paz por trinta dias, pois é difícil sempre estar de prontidão.
O que tenho de fazer agora é simples: resolver meus problemas e seguir em frente.
São dias de fúria, e vou sair deles vencedor. Pelo menos espero...

1 de março de 2009

Eu Quero Acreditar


A vida para mim é como um capitulo longo de Arquivo X, onde aquela frase, “eu quero acreditar”, me acorda todo dia pela manhã com um ruído constante de motores e pneus raspando o asfalto na Nove de Julho.
Me levanto, faço um café medíocre frente a todos os conhecimentos adquiridos em seis anos de trabalho com café, mas é valido, serve para acordar minha alma perturbada.
Um banho quente, o fazer a barba e acertar as costeletas, escolhe lá uma roupa no meio de tantas outras roupas por passar, uma meia e tênis vermelho no pé, esfrego as olheiras e vou trabalhar num horário fora do normal, já que não fui feito para a luz do dia, muito menos para acordar cedo.
É sábado e os ônibus estão vazios para o sentido que vou. Sento numa poltrona qualquer, coloco meus fones de ouvido numa bossa nova, abro um livro e tento me concentrar nas letrinhas saltitantes.
Sabia que não deveria estar ali naquele momento e sim em outro lugar muito mais agradável, fazendo aquilo que mais gosto que é cuidar de outras pessoas, família, mas de qualquer forma é preciso trabalhar e disso não posso escapar, ainda mais quando sou requisitado no momento mais inoportuno.
Vou telefonar assim que chegar, pedir desculpas, que sinto muito por tamanha lei da inevitabilidade, prometer o domingo, dizer que acordo cedo e vou na primeira hora, mas a realidade é assustadora.
Tanto por fazer, planilhas por montar, cardápios para revisar, contagem no estoque, toma uma coca cola como quem desfruta um banquete no almoço, e sigo firme até o escritório ficar vazio, com o silencio interrompido apenas pelo ronronar do computador e da impressora que cospe folhas no fundo da sala.
Pego o telefone, disco desesperado e sinto uma bala cortando meu cérebro em dois.
Poucas frases do outro lado, um frio assustador, conversa que mais parece um monólogo interrompido por respostas monossilábicas, e então uma frase que foge ao padrão.
“Eu não acredito em você, nunca acreditei, mas isso não é novidade, certo?”
O que restava de mim vai por água abaixo.
A muralha impenetrável mostra sua falha e é derrubada a duros golpes de aríete, mas não faz mal.
Desde o principio, nunca ninguém acreditou em mim, que eu poderia chegar tão longe, e essa foi a força motora para tudo, por pior que isso seja, porque tenho a leve impressão de que tudo o que fiz até agora não foi por mim, mas para ganhar o desafio lançado por terceiros, de que eu acabaria jogado no meio fio segurando uma garrafa de cachaça barata e cigarros amassados que teria ganho de qualquer passante casual.
Não me importo, desligo o telefone, derramo ali algumas lágrimas, sofro com a ideia de que todas as cartas que coloquei tão descaradamente na mesa, mostrando quem eu realmente sou, foram queimadas por um ás na manga.
Não me importo, digo novamente, termino de consumir a garfada de catarse entalada na garganta, volto minha atenção novamente para a tela branca do computador e percebo que a vida prossegue depois dos comerciais, num novo episódio, mas que canta uma pergunta.
“Até quando vou acreditar?”