5 de maio de 2009

Tudo Limpo


Voltei a acordar tarde, me preparando para o retorno ao trabalho e as madrugadas em claro.
Como de costume fui até a padaria mais próxima para tomar meu café da... tarde.
Camarada detrás do balcão, boné, roupão vermelho com o logo da casa, óculos de cordinha, barba por fazer, me prepara ai um misto quente e um suco de laranja.
Sem gelo, sem açúcar.
Sento em um banco alto, colado ao balcão, de onde posso observar o movimento, o sorriso da menina no caixa, o bigode sujo de pão do cliente do outro lado, um pedaço de torta fazendo aniversario na vitrine, uma senhora de seus noventa e tantos anos pedindo os pães.
Quatro pães bem branquinhos, por favor.
Chega um cara todo agitado, camiseta pólo toda colorida e bem passada, bermuda branca impecável, relógio prateado no pulso, cabelos grisalhos. Feição de quem deixou o manicómio, olhos esbugalhados, sorriso meio de lado, soltando algumas palavras que só ele entende.
Ainda de pé, o camarada pede um pão na chapa, uma média com leite e um suco de morango.
Com leite, sem açúcar.
Arranca do porta guardanapo uma dúzia de papéis e esfrega o banco com raiva, de um lado para outro. Para ele poderia ser uma tentativa de limpar e desinfetar o assento, mas para mim e para o resto da padaria era como se o senhor desesperado a nossa frente quisesse arrancar cada traço de tinta marrom usada na pintura do banco de plástico.
Minutos depois, satisfeito, senta e começa um ritual estranho.
Esfrega as mãos uma na outra, esfrega na bermuda, esfrega na camiseta, bate palmas, destroi mais um punhado de guardanapos, embrulha e espreme os dedos como que estivesse todo empapado em óleo ou algum tipo de sujeira grudenta.
Esticou as mãos como que na manicure, olha as unhas uma por uma bem de perto, raspa a do dedão com mais um pedacinho de guardanapo.
Chega primeiro o suco do cidadão, e não contente com a placa em cima de sua cabeça que dizia que "todos os copos e talheres são lavados e esterilizados na maquina de lavar", saca mais um punhado de guardanapos do já exausto objeto metálico e esfrega as bordas do copo com movimentos giratórios.
Satisfeito, pega um canudo do balcão, daqueles que já vem empacotados, rasga o pacotinho, tira o canudo colorido e o leva até os olhos de forma a utilizar o mesmo como uma luneta, averiguando se não existe nada colado por dentro.
Mergulha o objeto no suco e dá sua primeira golada. Um sorriso animado, mais dois goles, mão na cintura, super herói de histórias em quadrinho e torce o corpo para olhar para mim.
- Sabe rapaz, nesses dias de doenças, gripe suína, DST e um monte de coisas, é preciso tomar cuidado, não é mesmo?
Olho para ele durante uns dez segundos sem dizer palavra alguma, levo a mão a boca e solto uma daquelas tosses bravas, catarrentas, com direito a ronco de garganta e tudo o mais.
É o suficiente para ver o homem empalidecer e iniciar todo o seu processo de limpeza novamente.
Me levanto, agradeço o balconista, pago a comanda para a menina sorridente no caixa e abandono o maluco com suas paranóias.

2 comentários:

Ana P. disse...

Sabe como se chama isso que vc fez???

SACANAGEM!

hauahhauhauhauhauhuahuahuahuahaua!!!

Anônimo disse...

Depois ainda falam que o Marçal é que tem mania de limpeza, TOC e todas aquelas coisas bizarras... Que horror, vou até tomar um banho...!!!