8 de maio de 2009

Velho

Estou velho.

Tenho oitenta anos agora e a certeza de que vivi muito mais do que todos esses anos seriam capaz de suportar, e hoje, olho pela janela desse apartamento minúsculo e sinto raiva.

Não existe horizonte daqui, prédios se ergueram como eu me levantava a cada manhã de domingo passado, um de cada vez, barrando qualquer visão além de 50 metros adiante.

Vejo o sistema de limpeza do apartamento ao lado entrar em ação com um tubo de sucção pendendo do teto em busca de pó atrás dos móveis metálicos, como uma imensa cobra se esgueirando pelo teto com seus olhos vermelhos avidos por mais trabalho.

Na rua vejo os garotos, malditos cyberpunks enfiando chips de conhecimento em suas cabeças calvas perfuradas por entradas USB. Fumam e se drogam esperando que a conexão com o que eles chamam de realidade torne-se mais veloz, mais real que os hologramas oferecendo novos equipamentos eletronicos na vitrine blindada da loja de micro-computadores portáteis.

O que posso dizer é que não me rendi a todo esse lixo.

Não tenho nenhum cabo preso a meu corpo e nem orgãos sintéticos dentro do peito.

Estou quase cego e nem por isso vou gastar meus últimos centavos em um maldito implante de lentes de alta resolução que vão substituir meus olhos por um vidro espelhado que me deixaria com cara de abelha. Prefiro seguir com meus óculos de aro plástico, tão convencionais, ultrapassados.

Quantas guerras já passaram para mostrar ao mundo que a paz não voltaria, quantas doenças teoricamente incuráveis apareceram do nada para serem tratadas e curadas, quantos presidentes vieram para dizer que a realidade não seria destruída por essa ideia masoquista de utopia cybernética, e quantos presidentes foram assassinados, depostos, quantos desistiram, quantos enlouqueceram e quantos concordaram em aceitar que o mundo agora era um pacote de merda sem solução, impregnado por uma raça de seres que pouco se importavam com a vida, mas sim com a própria sobrevivência enquanto lhes era possível sobreviver.

Estou velho para tudo isso, para essas discussões sem fundamento algum onde homens colocam seus rostos frente a camera, em uma reunião de imagens holográficas numa sala qualquer destes tantos prédios vazios.

Me admira que com tanta tecnologia não tenhamos encontrado uma forma de destruir a barreira de lixo que criamos em volta do planeta e que barra qualquer ideia maluca de procurar um outro planeta para “colonizar” e destruir.

Me admira ainda que não tenhamos destruído a nós mesmos durante todo esse tempo, depois de tudo o que fizemos e testamos enquanto achávamos que seria uma forma de se viver mais confortavelmente.

Estou velho, vivi muito até aqui, e tenho plena certeza de que vivi mais do que qualquer um desses filhotes bastardos da tecnologia andando pelos becos escuros entre os prédios que bloqueiam meu horizonte.

Um comentário:

Anônimo disse...

mais um falando de velhice.
é uma cilada bino.